Conserve seu medo no Carnaval

Quem formou no grande time do Jornal da Bahia impresso, comandado por João Santana Filho, não consegue disfarçar um orgulho besta, imbecil, como toda vaidade, pela qualidade do trabalho desenvolvido na Djalma Dutra entre 1989 e 1990.

O projeto gráfico assinado por Jean-Michel Gauvin, um francês que tirou o time do campo terreno no dia que o Brasil foi tetra, ainda hoje, dificilmente poderia ser vencido por qualquer outro produto de papel.

Uma coleção de três volumes de páginas de esporte editadas neste período faz um jornalista sem maiores fortunas materiais sentir-se milionário em realização profissional.

Com o espírito das marchinhas do passado, aí vai uma pequena lembrança daquela grande equipe comandada pelo sábio Pato. São dois textos publicados na apresentação do Carnaval de 1990:

“Hoje é dia de festa na Bahia. Corpos balançam ao som de lambadas e merengues. Montes de gente multiplicam o espaço das praças e ladeiras. Trios radiativos espalham axé music por todos os poros da cidade. Gatas rebolam, gatos se aplicam. O prazer e a sacanagem (no sentido erótico) tomam o poder das instituições falidas e sustentam o reinado da folia.

Enquanto o futebol canta e às vezes encanta as multidões durante a maior parte do ano, a festa do entrudo arrebata os corações do modo mais radical em apenas cinco dias tórridos. Apenas? Não. Carnaval é orgia, encontro porradão das forças mais entocadas das pessoas, que na vida real, têm carteira de identidade, número de cpf e certidão de nascimento.

Porradão. Taí uma palavra que dá bem o limite desta festa linda e louca. Há os que utilizam o vocábulo na contramão e em vez da interpretação voltada para a intensidade da festa, começam a usar a violência a fim de alcançar a felicidade. Ledo engano. Engano da miséria em que se transformou a triste Bahia.

O grau de insatisfação da massa espoliada e sem esperança chegou a um nível altíssimo que só não consegue sensibilizar os donos do Estado e do município. E o carná é feito por esta galera faminta de comida, de arte, de diversão, de liberdade.

Daí porque não é querendo agourar os que optaram por permanecer em Salvador a fim de curtir esta onda bonita, mas cautela e caldo de galinha… sabendo usar não vai faltar. O problema passa pela falta de todas as condições mínimas de vida nos dias normais. A solução passageira de cinco dias é o reinado de Momo. Não se reprima, mas na festa do carrum navale mantenha seu medo aceso”.

(Jornal da Bahia, coluna Paulo Leandro, edição de 25 e 26 de fevereiro de 1990, página 8B)Lamartine celebrou o casamento

A união do Carnaval ao futebol é antiga na cultura popular brasileira. A oficialização deste “casamento” ocorreu na década de 40, quando o compositor Lamartine Babo, um fanático torcedor do América, fez as músicas dos principais clubes cariocas. Aqui na Bahia, o hino do tricolor é uma prova de que Carnaval e futebol estão sempre juntos. O frevo rasgado que faz o torcedor gritar “mais um Bahia” faz o folião pular freneticamente.

Até o Esporte Clube Vitória, que tentou durante anos “mostrar o seu valor”, resolveu aderir a união “Carnaval-futebol”. O compositor Waltinho Queiroz fez o novo hino para o clube vermelho e preto. O hino não contagiou, mas é outro exemplo da união. Existem os torcedores tradicionais que devem preferir a marcha lenta “Vitória, Vitória…” Os mais modernos, no entanto, devem gostar do segundo hino.

ESCOLAS DE SAMBA – São nas escolas de samba que o Carnaval e futebol estão mais interligados. O futebol entrou na avenida com a Imperatriz Leopoldinense, campeã do Carnaval do ano passado, que levou para a Marquês de Sapucaí em 1982, o enredo “O teu cabelo não nega”, universo esportivo do compositor carnavalesco, Lamartine Babo.

Mas foi a majestosa Beija-Flor de Nilópolis que entrou na avenida tendo o futebol como tema e não apenas como complemento de um enredo. O carnavalesco Joãozinho Trinta, um torcedor fanático do Flamengo, mostrou a todos que “o mundo é uma bola”.

Os que apreciam o espetáculo das escolas de samba devem lembrar do carro do Flamengo desfilando na avenida com o urubu malandro, o carro “Alegria do Povo” trazendo o destaque Pina com mais de 500 bolas oficiais de Copa do Mundo e o carro do Fluminense, levando até os cartolas. Outras escolas também se utilizam do futebol nos seus enredos.

A Unidos da Tijuca foi com o samba “No ano da copa, bate no meio”. A Portela entrou na avenida com o enredo “Morfeu do Carnaval, a Utopia brasileira” e cantou: “No país da bola, só deita e rola quem vem de dólar”.

Nada mais atual! E a irreverente Caprichosos de Pilares usou mais de uma vez de muita ironia para comentar o roubo da Taça Jules Rimet. “E aquela seleção nacional, derreteram até a taça, na maior cara-de-pau”.

Blog Paulo Leandro

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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