Campeões da cara-dura

Galera, que queixão é esse de dizer que não houve nada de anormal em Guanambi 10×0 Leônico? Nunca vi lugar pra dar tanto anjinho como a nossa Bahia: vai ver que é a cultura da bondade que Irmã Dulce, essa sim caridosa, marcou na alma baiana.

Muito mais impressionantes que os dez gols que eliminaram o Galícia no Campeonato Baiano da Segunda Divisão, na maior cara-dura, são as declarações do árbitro do jogo, que achou tudo normal, e do dirigente que não aceita especulação.

Especular mais o quê? A Argentina-78 fez sua escola e a história se repetiu. Lembram que o Brasil podia eliminar os hermanos no saldo, mas o Peru permitiu uma goleada vergonhosa, acho que foi cinco ou seis a zero? Ficou por isso mesmo até hoje.

O técnico do Guanambi disse que foi tudo de boa, dentro da lei e sem armação. O time do algodão precisava fazer dez para se classificar e conseguiu. O Bahia, agora, é fichinha, pois os históricos 5 a 0 no Santa Cruz em 1981, representam só a metade do mito.

Futebol baiano é isso mesmo: não se pode provar a + b as coisas erradas, os réus viram vítimas e quem luta para melhorar o mundo, pode terminar pregadinho da silva na cruz dos cristãos. Só chamando Peter Parker pra ver se ele vira Homem-Aranha e resolve.

Como cantava Raul: “se eu não o tivesse traído, morreria cercado de luz, e o mundo hoje então não teria a marca sagrada da cruz”. Pensando a história, então, sem Judas, nada de Jesus. Mas não precisa exagerar com a inflação de tantos Scariotis, né não?

Imagino que seu Santarém, que nunca mais eu vi, e seu filho Renato, além de Zé Manoel, que eu não sei se ainda é Galícia, devem estar inconformados, loucos, pirados. Mais ainda, imagino, deve estar seu Guiovaldo, filho do fundador do velho Leônico.

Se a gente for acompanhar aquele narrador do gogó limpinho, o indício da treita fica muito forte: gente, o primeiro tempo terminou 4 a 0. O Guanambi precisava meter 6 no Leleco no segundo tempo. Fez 5 a 0 aos sete e assim ficou o jogo, placar conservado no formol dos cinco.

O relógio marca… quando o jogo chegou aos 30 minutos do segundo tempo, e a vitória do Galícia sobre o Independente de Feira era inevitável, a porteira do Moleque Travesso se abriu magicamente para passar o gado da terra de Nilo Boi: foram cinco gols-relâmpago.

A conta certinha para tirar de circulação o time da comunidade de origem galega na Bahia. A cultura da impunidade, soberana em todos os setores do futebol da Bahia, vai deixar passar mais essa, só quem não se faz de idiota percebe que o que falta é ação.

Sim, falta ação para ter quem investigue direito essas coisas e aplique providências esportivas para fazer com que o futebol tome tenência. Um negócio desse acontecer no século 21, na Bahia, é sinal de que as coisas feias ficaram impregnadas nos hábitos.

Imagine se seu Oswaldo Veiga, fundador do Leônico, ia permitir ver o grená da camisa do clube desbotado por uma goleada estranha dessa. Foi ele, o pai de Guiovaldo, quem fundou o clube, quando trabalhava de despachante na alfândega.

A empresa Carl Leoni Co., esse Co. aí como abreviatura de Companhia, é que deu origem ao clube campeão baiano em 1966, ao impedir o primeiro tri do Vitória. “Leoni Co” virou Leônico, nada a ver com Leão e tal, como às vezes as pessoas pensam, na preguiça de ler.

Prestes a completar 67 anos, no dia 30 de outubro, de uma história riquíssima e que virou um livro mais bem-editado que outros de clubes grandes, o Leônico jamais havia sido tão ridicularizado. O Leônico era o grande entre os pequenos e tem a admiração dos desportistas baianos.

Ganhava os Bernardo Spectors quase todos. Bernardo Spector era uma taça disputada pelos clubes que não entravam no Nacional. Mantinha o emprego da boleirada o ano todo e divertia a galera nas preliminares. O Moleque Travesso ganhava muito torneio início e era time valente.

No livrão que Guiovaldo mandou editar, em 1993, são poucas goleadas: um 6 a 0 para o Botafogo em 1972, um 8 a 1 que o Vitória de Osni, perturbado, emplacou em 1975. O Bahia deu 8 a 1 em 1981, quando o Leônico terminou o jogo com oito em campo.

O máximo que o Leônico tinha tomado foi 9 a 0 do Bahia, em 1976, quando o titular ainda era Mickey, antes de Beijoca assumir a missão de levar o tricolor ao título que estava nas mãos do Vitória de Andrada e Fischer, campeão das duas primeiras fases.

Não, essa não dá pra digerir não. Chamem as partes, façam as acareações, acionem os hominhos para fazer as escutas, enfim, é preciso, infelizmente, pedir o apoio da polícia para investigar uma vergonha dessa. Dizer que foi normal é mais grave que o resultado.Por Paulo Leandro

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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