E.C Vitória: Ser ou não ser de primeira divisão

Um dia de entusiasmo, outro de desencanto; um dia de alegria, depressão no seguinte. Essa é a vida a que está se acostumando o torcedor do Vitória. O torcedor até lavou a alma ao pôr o Bahia pra dançar e botar quatro bolas no seu saco.

O Vitória entrou sábado no Durival de Britto, sabendo ter condições para colar na liderança da Série B. Cumpriu o seu dever. Teve o domínio da maior parte do jogo e, apesar de enfrentar dificuldades, conseguiu os almejados três pontos.

Ficou a um ponto do líder e, curiosamente, de todos os times do G4. Na rodada seguinte, dois desses competidores diretos jogam entre si (Botafogo e Náutico) e os outros (Bahia e América) jogam fora de casa. O Vitória pode se prevalecer do “efeito Barradão”, enfrentando o CRB, que está na 11ª posição, oito pontos atrás deles. Poderia ser o tão esperado salto na tabela.

A situação causa grande excitação entre os seus apaixonados torcedores, mas está latente o ceticismo, com a fundada impressão de que as oportunidades escapam com frequência muito maior do que é razoável aceitar. Insucessos inesperados e inaceitáveis têm demonstrado a tradição de que o Vitória é um time do tamanho de seus adversários. Acaba de humilhar o Bahia e não faria vergonha se enfrentasse qualquer time da Primeira Divisão, mas trata com um respeito esquisito qualquer equipe do Z4 da Série B.

MOMENTO DE PENSAR O VITÓRIA

A Torcida do Vitória Candango sentou esta semana em um bar de Brasília para experimentar a rara oportunidade de ouvir um diretor do Clube, no caso, Ricardo David, responsável pela bem sucedida e festejada área de marketing.

Vivia-se ainda a gostosa experiência do triunfo do Ba-Vi. Saíram dali com convicções reforçadas: Raimundo Viana está bem assessorado e, como enfatizou o dirigente, estimula a criatividade e a ação de seus auxiliares. Mais, Ricardo David não está na direção a passeio. Tem um projeto e está determinado a cumpri-lo. A conversa foi longa e séria. Não escapou a ninguém que, embora os torcedores tivessem às mãos copos de cerveja, o diretor do Clube não passou de seguidos copos de água. A crer que os projetos se realizem, o único senão seria a reiterada afirmação de que sua presença na direção do Leão da Barra termina inapelavelmente em dezembro de 2016.

Foi com esse sabor agradável que chegaram na terça-feira ao Chopptime, onde fincam a bandeira rubro-negra a cada partida, fazendo ecoar em Águas Claras os gritos de guerra do Vitória como se estivessem em plena Salvador.

Mal sabiam que lhes esperava uma nova frustração. O pálido empate com o Boa, outro adversário da Zona de Rebaixamento a lhe tirar preciosos pontos este ano.

Enquanto se arrastava a partida, que sequer perdia o olhar atento à TV, é claro que voltavam à baila as informações e afirmações da conversa da véspera. 

A impressão, no geral, foi excelente e deixou uma forte motivação para contribuir com o cumprimento de algumas metas. Inclusive com a apresentação de propostas, algumas já alinhavadas no próprio bate-papo. De seu lado, David elogiou muito o trabalho do Vitória Candango, inclusive o de estimular a organização de torcidas em outros estados, um movimento que os brasilienses denominaram Vitória Sem Fronteiras. Já há núcleos em várias unidades da Federação, ainda que remotas, como Rondônia, e contato com torcedores esparsos de países como Angola e Moçambique.

Mas foram saltando também algumas questões pouco aclaradas. Vale esclarecer que, entre os torcedores de Brasília, é quase consensual o entendimento de que o futuro do Vitória passa por sua democratização, significando a chance tão esperada de renovação dos quadros dirigentes. E isso tem nome: DIRETAS!

Pois David não deixou evidências de um claro compromisso com essa tese. Afirmou que as eleições diretas virão, os diferentes grupos a querem, mas isso tem uma distância razoável do entendimento de que esta é, para o seu grupo, a saída indispensável. Ao contrário, chegou a repetir que a estruturação racional do Clube é mais importante. Além disso, sua linha de raciocínio sobre o desenvolvimento dessa proposta projeta-se para além de dezembro de 2016, ainda que sem a sua participação pessoal. Motivo de insegurança para alguns adeptos mais fervorosos das diretas. Seria um ato falho? Corresponderia aos planos de Viana?

Mais desconfiança ainda com relação aos compromissos democratizantes passa pela avaliação da política do Clube. Pelo que perceberam, o grupo dirigente atual não trabalha a articulação com quaisquer das forças que discutem (e disputam) o futuro do Vitória. David insistiu na independência de Viana com relação aos nomes que controlam a agremiação há anos: Alexi Portela, José Rocha, Carlos Sérgio Falcão. Rejeita também entendimento com as torcidas organizadas, para as quais prevê o fim da própria existência. Garante que não há qualquer envolvimento com grupos da política partidária ou de governos e desaconselhou nomes ligados, por exemplo, ao sindicalismo. Noves fora, um projeto de poder que não se baseia em apoio de ninguém!

Outro aspecto intrigante é a proposta de financiamento do Vitória. Essa, aliás, é a questão central do seu projeto. O próprio David sinaliza: “Toda vez que vir uma proposta na minha boca, entenda que significa o Vitória ganhar dinheiro”. O que preocupou foi a avaliação sobre as diversas fontes desses recursos. Segundo o dirigente, a dependência de patrocinadores está em um momento de séria crise e o resultado da bilheteria é pouco mais do que simbólico.

Ele vê duas saídas: o licenciamento de produtos (e os cálculos da potencialidade são alvissareiros) e o plano de sócios-torcedores. Pensa em no mínimo 20 mil sócios permanentes, o que representaria, por exemplo, uma receita bem maior que a do atual patrocínio da Caixa.

Onde está então a preocupação de alguns torcedores da capital do País? Simplesmente no fato de que David sequer avaliou como significativo o resultado obtido com a negociação de atletas. A linha de raciocínio é simples. O Vitória tem uma das bases mais respeitadas do Brasil, que desperta inquestionável interesse de todos os grandes clubes nacionais, além de praças estrangeiras. As negociações de David Luiz, por exemplo, ainda rendem razoáveis trocados para o Clube. E a comercialização de passes de atletas revelados na casa é uma constante. Como não valorizar essa fonte de receitas? Não sobra nada para o Clube em si?

“VAMOS SUBIR, NEGÔ!”

Um ponto pacífico na conversa com David foi o acesso. “Não há hipótese de o Vitória não subir este ano para a Primeira Divisão”, assegurou, ainda que desmentindo os resultados das primeiras rodadas, em que raramente o time esteve entre os quatro mais bem pontuados. 

Em favor da tese, falou do investimento feito no plantel, das boas contratações. Nesse ponto, um dado que intranquilizou alguns rubro-negros. Marcelo Mattos veio para o Vitória porque o Botafogo, afogado em dívidas, mas determinado a se sagrar campeão na Segundona, estabeleceu um teto salarial de R$ 60 para o plantel. Chamou a atenção que, segundo David, há um grupo grande de jogadores na equipe baiana com salário acima desse valor.

Mas o grande problema para a fanática torcida rubro-negra é que a meta de subir é muito tímida. Pelo menos parte substancial dela não se sente realizada plenamente ao gritar a já tradicional palavra de ordem. Subir adianta muito pouco, se for para, ali, iniciar-se uma luta para fugir do grupo de rebaixamento e conseguir, a duras penas, escapar de um novo descenso. Ou seja, a meta não pode ser simplesmente subir. O importante é ficar clara a condição de time de Série A. Isso significa impor-se para este ano a meta de sair como campeão da Segunda Divisão ou, ao menos, disputar o título com quem tiver competência para isso. Só assim, o Vitória poderá chegar à Primeira como um dos candidatos à Libertadores.

Caso contrário, fica a desagradável impressão de que a vocação é manter-se na divisão inferior e no máximo dar breves passeios pela Primeirona, a chamada “síndrome do elevador”, preferindo a situação mais confortável de investimentos menores e, ao mesmo tempo, vitrine de jovens talentos para os principais clubes do País.

O rubro-negro baiano é o time nordestino com mais pontos acumulados, se somadas todas as edições por pontos corridos do Brasileirão. Com 343 pontos até o início do atual Campeonato, ocupa o 17º lugar. O mais próximo é o Sport (23º, com 227) e só depois o Bahia. Mas, a triste realidade é que isso equivaleria à zona de rebaixamento para todos os três, considerando-se um hipotético certame de todos os tempos.

Em outras palavras, chega de se imaginar que o papel do Vitória no Brasileirão é disputar com o Bahia, estar pelo menos na mesma Divisão e vencer os confrontos diretos. O Vitória é time de Primeira. O Bahia que decida o que quer ser.

Fernando Tolentino

www.vitoriacandango.com.br

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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