Intervenção no Bahia: questões conceituais

Como o debate sobre esta intervenção no Bahia vem sendo conduzida por muitos iluminados, cabe então trazer a questão para o campo conceitual. Quem sabe estes iluminados não conseguem lançar luzes na minha mente? 

Leio sempre aqui que a intervenção levará à democracia, eu gostaria de saber em que manual de Ciência Política se aprende isso, ou seja, que a democracia pode ser gestada durante um período autoritário (será que os militares tinham razão?). Até onde eu sei, as intervenções são apenas para ajustar a conduta das associações às suas próprias legislações ou às legislações maiores que as suas. 

Intervenções não inauguram novos regimes nem são “salvacionistas”, embora alguns interventores – sobretudo os interventores que são advogados – gostem de ver a si próprios como “salvadores”. As intervenções até podem ampliar o direito de participação, mas não podem instituir a democracia. Ainda que a ampliação da participação seja condição necessária para a democracia, aquela não se confunde com esta. 

Não deixa de chamar a atenção o fato de os defensores (sic) da democracia clamarem por mais poderes para o interventor, que por sua própria natureza é um “ditador” temporário. Antes que os que não estão habituados com a teoria política e, sobretudo, com as teorias democráticas deem chiliques, eu lembro que a intervenção inicia um período autoritário, tanto que ela destitui ou suspende todos os órgãos deliberativos da associação que está sob a intervenção, no caso do Bahia, a destituição da diretoria e do conselho. 

Esta destituição/suspensão dos órgãos deliberativos não é uma opção do interventor, ela tem de ser feita. O interventor decide sozinho (quando há auxiliares, estes são apenas para auxiliar, eles não têm poder de veto sobre as decisões do interventor), decide de acordo com as diretrizes do juiz que o nomeou e dentro dos limites da esfera de ação determinada pela ordem judicial, mas ele decide sozinho, como fez o interventor do Bahia ao reduzir o valor da “Joia”. Se esta decisão foi ou não acertada, se ela atendeu aos “clamores da rua” ou não, não me interessa aqui, mas, em termos conceituais e políticos, ela não foi nem poderia ser democrática, porque ela foi e só poderia ser monocrática, e, até onde consigo enxergar, eu não me lembro de nenhuma teoria política que classifique uma decisão monocrática como sendo uma decisão democrática. 

Este frenesi de parte da torcida com o interventor está associado ao autoritarismo que caracteriza a direita e a esquerda no Brasil, está vinculado à tradição do culto à personalidade e ao “homem forte”, aquele que instituirá o “Novo”, aquele que emancipará o Povo, porque este por si só não pode fazê-lo. Pensando na democracia, há ironia maior do que esta? 

Que intervenções possam ser necessárias é verdade, mas elas, mesmo as necessárias, não devem ser motivos de fogos, porque elas suspendem o processo político, que é o processo do diálogo, dos acordos, das negociações, dos compromissos entre os vários interesses. Podemos ficar resignados com elas, quando reconhecemos a necessidade delas, quando as reconhecemos como um mal menor. Mas fazer “ôba-ôba” por causa delas, isso é coisa do espírito antidemocrático. 

Dinensen

P.S. Não sou associado e não pretendo me associar, porque não tenho vocação política. Espero que esta campanha associe, no mínimo, duas ou três dezenas de milhares de torcedores, porque a inadimplência logo será elevada. Se a campanha conseguir trazer muitos milhares, depois que forem purgados os milhares que estão se associando por modismo, restará um número relevante em termos financeiros.

Autor(a)

Deixe seu comentário