Meus avôs rubro-negros

Uma viagem no tempo nos faz mais humanos; por isso temos a história como grande guia na vida. Mas não falo da história das cátedras, dirijo o pensamento para o mundo das minhas memórias e a da minha convivência com meus avôs rubro-negros. Era um mundo mais romântico e discreto. Sim, o mundo que meus avôs gostavam não se dispunha a certar bizarrices modernas com gangues a violentar nossa paixão por torcer.

Na época de meus avôs rubro-negros ainda havia diferenças intransponíveis que o homem devia respeitar. Uma delas é saber a diferença entre espaço público e privado. Recomendações não faltavam quanto ao modo de se apresentar e comer adequadamente. Havia uma reverência orgulhosa aos pequenos hábitos que nos diferenciam dos animais.

Havia recomendações também ao espírito, como: respeitar os pais e as pessoas mais velhas, tais deveres eram sagrados. Entrar na casa do meu avô sem camisa nem pensar. A casa de um homem era um lugar em que todos deveriam manter a compostura, e também o lugar para habituar-se a dividir o trabalho doméstico. Poucos tinham dinheiro para pagar empregado doméstico e comprar televisão.

O mundo mais comedido que vivi coexistia com ataques a liberdade, mas nem por isso aceitava-se tanta excessiva liberalidade como algo louvável. Tudo hoje me deixa com a sensação de que o mundo mudou para pior. Liberdade não se confunde com excessiva liberalidade, isto eu sempre vivenciei com meus avôs.

Adentrava na casa dos meus avôs com toda a deferência que mereciam sem cair para o grotesco. Pedia benção e baixava a cabeça para eles a acariciarem. Foi nesse mundo que eu cresci e me tornei um homem. Jamais presenciei também discussões raivosas entre meus avôs e as minhas avós, como também meu pai e a minha mãe nos poupavam de exposição a vexames de casais imaturos.

Hoje, parece que o bicho anda solto. Há um “liberou geral” em que nos deparamos com o avanço considerável da tecnologia e da ciência, mas que por outro lado vemos a degradação dos costumes. O progresso da ciência não significa uma evolução do homem nos seus valores humanos, mas, ao contrário, a ideologia que viceja com a ciência é a do individualismo extremo e a negação do altruísmo.

O futebol não esta afastado da degradação dos costumes. A brutalidade de gangues organizadas de futebol, a violência policial e o distanciamento do torcedor de futebol da cultura familiar cheia de afeto e respeito nos autorizam a afirmar que não foi Deus quem morreu como o filósofo queria, mas é o homem que sangra até a morte.

Maurício Guimarães

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