RACIONAIS ViC’s

Entre o avião e a estrela, seguem a viver nas nuvens…

Juro que não tenho muita coisa contra o Vitória. Quase nada mesmo. Faço brincadeiras e gozações pontuais com os seus torcedores mais exagerados, pois sou Bahia, mas não entendo (nem acho positivo) o ódio que alguns tricolores têm do rival. Nem o que alguns rubronegros têm do Bahia. Vejam que não estou falando do crescimento da ridícula violência entre as torcidas, que é corolária destes sentimentos baixos. O ponto é que na esfera de (in)sucessos dos nossos times, por triste que seja, os rivais baianos nos dão mais motivos para rir do que nossas próprias conquistas.

Pois bem. Não nego os problemas da torcida tricolor, da qual faço parte. É fato que vivemos nos gabando das gloriosas conquistas de um passado cada vez mais distante. Não é menos flagrante que nos últimos anos o Bahia teve um desempenho pífio tanto em competições nacionais, quanto no estadual quase amador, se apequenando e sendo motivo de chacotas diversas. E justas muitas vezes. Mas não sempre. É sobre isso que quero tratar neste pequeno escrito.

O ex-presidente do Vitória, Paulo Carneiro, foi uma das mais polêmicas investidas do museu de grandes novidades da gestão Marcelo Guimarães Filho. No pouco tempo em que esteve no comando de futebol do Bahia, montou um time medíocre e saiu em menos de um ano, mas provocou um verdadeiro drama nas hostes rubronegras (foi expulso do Conselho do clube, segundo ele ilegalmente, para ficarmos num fato marcante), vestiu a camisa do Bahia e foi demonizado por muitos que o endeusavam. Em compensação, forneceu um argumento de retórica aos rubronegros: em uma entrevista, ao tratar do maior entusiasmo da torcida tricolor que enche (e sempre encheu) mais estádios que o rival, PC afirmou que a torcida do Bahia era mais “irracional”. Os “irracionais” do Baheea sofreriam para sempre com a nova tacha!

Fogos na “Allianz Arena”! Sorrisos na “melhor divisão de base do país”! Tin-tin nas taças cheias de pinot noir da tradicional “elite baiana”!

De acordo com os conceitos puramente racionais da torcida “esclarecida” do Vitória é assim que as coisas são. A “Allianz Arena” de que falei é, evidentemente, o estádio Manoel Barradas, tratado como se fosse padrão FIFA de transporte, acessibilidade, respeito às torcidas rivais e vagas de estacionamento. A “melhor divisão de base do Brasil” é aquela de investimentos parcos comparados a muitas outras no país, que nunca pôs seu time sequer na final de uma Taça São Paulo, competição de aspirantes mais importante da nação. A “elite” de vinhos franceses e queijos suíços é a mesma que torce o nariz para o bairro de Itinga, mas construiu e defende fervorosamente seu reduto no também no popularíssimo Canabrava.

O cartesianismo não para por aí. Nos últimos anos, as deduções lógicas da torcida rubronegra conferiram aos seus torcedores a mais absoluta tranquilidade nos momentos decisivos. Foi dessa forma que alguns programaram a estrela na final da Copa do Brasil com o Santos, pois o “jogo é jogado”. E é mesmo. Mas há, digamos, tendências no futebol. E o time anos-luz superior venceu. Em seguida, mais uma campanha fraca em nacionais, porém, com a paz de que uma equipe com a farta qualidade demonstrada ao chegar na final da Copa do Brasil jamais cairia (Ramon showbol e Júnior Diabo Louro comandavam o timaço), ainda mais precisando de um triunfo simples contra o fraco Atlético-GO em casa. É… caiu.

Segundo os iluministas, acidente de percurso. Se o rival subiu de elevador, a razão impunha que o Vitória subiria de avião. No ano seguinte. Com o pé nas costas! Antes, ganharia com tranquilidade o inédito pentacampeonato baiano. Nem uma coisa, nem outra. O baiano foi perdido para o Bahia de Feira de Santana, em casa. O acesso ficou no sonho, com direito a anúncios racionalmente antecipados de acesso e a lisura de um atraso de 30 minutos no jogo decisivo, para saber o resultado dos demais confrontos. Medida de arguta razão, diga-se. O airbus teve problemas técnicos.

Os filósofos locais enfrentaram então mais um Campeonato Baiano com o título garantido. Apesar da melhor campanha do rival, estava tudo definido. Tanto foi assim que um vizinho meu bradou quando sua equipe virou a partida no confronto decisivo em Pituaçu: “Eu já sabia: é o do título!”. Claro. Hipóteses contrárias analisadas com frieza, refutadas, e a conclusão indiscutível se impôs. Mas o Bahia acabou fazendo mais um gol e venceu o Baianinho (não entendo o aumentativo para designar este torneiozinho). “Injustamente”.

Chegamos então ao nacional da segunda divisão. Eis que, finalmente atendendo à razão pura, o Vitória fez uma campanha marcante. “Maior campanha da história do primeiro turno da segunda divisão”, dez eloquentes palavras que os rubronegros baianos enchiam a boca para pronunciar. Os sãopaulinos, por exemplo, meros “tricampeões mundiais”, sofriam calados. Tudo isso considerado, explodiram enquetes kantianas já em setembro (S-E-T-E-M-B-R-O) sobre a tão perquirida estrela. Com o título assegurado, chegava a hora de discutir ponderadamente se era para colocar uma estrela pela taça da segunda divisão (já que o rival usa no seu escudo duas por títulos de primeiro escalão nacional). Se positivo, em que lugar e de que cor, prateada ou dourada? Concluiu-se que sim, deveria ser posta a estrela! Não lembro a cor e o lugar, mas era o consequente lógico de uma conquista com louvores.

Vieram então algumas derrotas, a demissão do técnico (como um técnico do Real Madrid brasileiro poderia perder partidas?), e um evento que só as delicadas nuances dos cérebros mais avantajados podem entender. Um protesto racional no aeroporto, com requintes de violência e ameaças aos jogadores. “Se não jogam por paixão, jogam por pressão”. Evidente. “Dada a não prestação, deve ser sanção” – apregoa a Teoria Pura do Direito, em perfeita consonância com o tema do movimento. A derrota seguinte por 3×0 contra o Bragantino é incompreensível do ponto de vista científico, após tão bem articulada manifestação dos politizados torcedores.

Hoje, faltando uma rodada para o término da segunda divisão, indica a matemática que a estrela (se houver) será posta no escudo do Goiás ou do Criciúma. Aponta ainda que o Vitória não está matematicamente assegurado na Série A do ano que vem. A história recente demonstra que o acesso da equipe em 2006 e o do rival Bahia em 2010 foram mais fáceis, pois assegurados com antecipação de uma ou duas rodadas. Tanto o rebaixamento do Bahia quanto a perda do acesso do Vitória ainda são possíveis, apesar de pouco prováveis.

 Depois de tudo isso, fico só a me perguntar: quem é irracional?

Claro que todos os torcedores são apaixonados e que torcer nada tem a ver com razão. É obvio que a racionalidade rubronegra baiana vale tanto quanto a de Lamartine Babo e dos torcedores do América-RJ, campeões de 13, 16 e 22 (como diz o seu espetacular hino), que vislumbraram um futuro de glórias. 

A torcida do Vitória atribuir irracionalidade como característica distintiva da torcida do Bahia é não ter uma gota de autocrítica. Um átomo de vergonha na cara. Um fóton de razão. 

Nas torcidas de futebol, somos todos advogados das nossas paixões. E só.

Diego Cabús

Autor(a)

Redação Futebol Bahiano

Contato: futebolbahiano2007@gmail.com

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