Ainda com a grave crise sanitária que ATACA o Brasil que já vitimou mais de sete mil pessoas e número incalculável mundo (267 mil pessoas), ainda existe no Brasil uma forte pressão para o retorno dos campeonatos paralisados em 15 de março, em uma linha bem parecida com o que pensa e pratica o presidente da república, Jair Bolsonaro que absurdamente, quase inacreditavelmente, insiste em ignorar a grave situação com seus apoiadores, estes atribuindo os sete mil como obra e fruto de uma imprensa histérica à serviço do comunismo e por isto agridem jornalistas, como aconteceu hoje, e profissionais de saúde que também protestavam ontem em Brasília. No futebol, o presidente do Internacional, Marcelo Medeiro, já avisou: “Jogador que não quiser jogar pede demissão”. O Flamengo segue também minimizando o problema ou oferecendo pouco caso para as possíveis novas vítimas. Outros clubes trabalham nos bastidores utilizando as federações estaduais. Felizmente existem vozes contrárias como acontece com Paulo Autuori, técnico do Botafogo que disse em recente entrevista.
“Me parece uma sandice falar sobre o retorno das equipes de futebol neste momento. Falta de respeito diante de tantas mortes e sofrimentos. Demonstra uma preocupante falta de conhecimento dos responsáveis a favor dessa medida sobre a complexa rotina dos treinamentos de futebol. Ausência de preocupação e de respeito aos profissionais, especialmente daqueles mais sacrificados, que não são jogadores nem membros da comissão técnica. Nós, profissionais, merecemos respeito. Querem futebol de volta? E daí? Lamento.”
Outro que abordou o assunto foi o jornalista André Rocha, numa análise lúcida.
No momento em que a pandemia deve acentuar a curva de contágio e colapsar de vez o sistema de saúde do país, os clubes brasileiros forçam a volta das atividades. No caso do Rio Grande do Sul, amparado pela irresponsável autorização da prefeitura de Porto Alegre. Mesmo sem contato físico, mas com circulação desnecessária.
Para viabilizar o retorno precoce, a aquisição de testes é obrigatória, assim como os equipamentos de proteção individual. Justo no Brasil de tamanha subnotificação dos casos por causa da limitação do material para confirmar se os sintomas são mesmo de Covid-19 e médicos e enfermeiros estão morrendo no trabalho por falta desta proteção.
Junte a isso as demissões de funcionários humildes no rico Flamengo, a dispensa de jovens da base no Corinthians e outras ações que escancaram a incompetência e/ou a insensibilidade dos gestores e temos a cara do futebol brasileiro: um ambiente que se acha descolado da sociedade, mas, no fundo, demonstra apenas a sua pior face.
Uma espécie de escravocracia moderna, na qual os agentes abaixo do guarda-chuva de quem manda são apenas números em uma planilha e precisam manter a roda girando. Mesmo que alguns paguem com a própria miséria e outros com a vida mesmo.
A ponto do Grêmio passar por cima da visão do ídolo maior, Renato Gaúcho, que desaconselhou a volta do futebol ao próprio Presidente da República, que admitiu a conversa publicamente. Dando mais uma prova de que um mínimo de racionalidade independe de posições políticas.
É preciso ressalvar as exceções, como Palmeiras, Bahia, Fluminense e outros, que tomaram medidas preventivas com reduções de salários e, cada um dentro de sua realidade orçamentária, aguardam a sinalização das autoridades de Saúde para retomar as atividades com segurança para todos. Física e financeira.
Inclusive dos próprios “artistas do espetáculo”. Porque voltar a jogar não envolve apenas o risco de contaminação. Um choque, um mal estar por desgaste, uma lesão grave terá que levar o atleta ao hospital para uma intervenção cirúrgica. E mesmo os mais modernos, voltados para as classes mais abastadas, estão sobrecarregados por causa da pandemia. E podem contaminar os jogadores.
Por maior que seja a saudade da bola rolando ao vivo e se compreenda que o cenário é complexo, inédito e precisa de um plano de ação, é preciso ter visão coletiva e bom senso. Exatamente o que falta ao futebol brasileiro desde sempre. Um meio onde a “síndrome de Macunaíma” sempre existiu. O microcosmo em que vence o mais esperto, onde crimes como racismo são relativizados pela “catarse” que acontece em um jogo.
Principalmente, onde privilégios são aceitos sem resistência e vale tudo para o show continuar. Mesmo que seja o circo sem pão no meio de uma crise sem precedentes. Para a qual ninguém se preparou. Muito menos os clubes que no papel são instituições sem fins lucrativos e resistem para se tornar empresas. Porque não querem perder as benesses históricas. Nem a licença para o absurdo que agora é usada como coringa para autorizar a insensibilidade máxima.
O Ministério da Saúde, acompanhando tendência do atual governo federal, adota posicionamento dúbio. Sugere a volta para tornar o distanciamento social menos degradante emocionalmente, mas dentro das normas estabelecidas. Ora, se for para seguir as regras não há como retomar um esporte de contato permanente!
E o mais triste é que há quem aprove. Os torcedores de dirigentes, os fanáticos acríticos ou os puxa-sacos mesmo. Dos que oprimem e ameaçam com desemprego quem apenas quer sobreviver ou só proteger os entes queridos.
Que a conta seja cobrada quando os caixões baixarem às sepulturas. Ou nem haja buracos para enfiar os corpos. Mas quem se importa? “E daí?”