Fonte Nova, um ano depois da tragédia

O dia, 25 de novembro de 2007. Trinta e sete minutos do segundo tempo de um movimentado Bahia x Vila Nova, válido pela penúltima rodada do octogonal final da Série C do Campeonato Brasileiro. O 0 a 0 no placar não condizia com o emocionante jogo, com diversas chances perdidas de lado a lado. Os 60 mil torcedores que lotavam a Fonte Nova comemoravam com cada vez mais intensidade. Afinal, o placar garantia o retorno do tricolor baiano à Série B e o andar do relógio favorecia a equipe mandante.

De repente, um trecho de cinco metros da arquibancada do anel superior do estádio se rompe, abrindo um vão sob os pés dos torcedores que pulavam. A queda livre é de 18 metros até a calçada que margeia o estádio. Sete pessoas morreram, marcando o 25 de novembro como a data da principal tragédia em estádios brasileiros.

No instante imediatamente após, o acidente foi ofuscado pela alegria dos torcedores, que – salvo os que estavam em volta do buraco – nem sequer perceberam o que se passava. O apito final do árbitro foi a senha para uma grande invasão do gramado. Duas mil pessoas foram ao campo, para desespero dos impotentes policiais militares que tentavam garantir a segurança de jogadores – e dos próprios torcedores. Do lado de fora do estádio, uma multidão calculada em 10 mil pessoas ainda forçou os portões para conseguir entrar na Fonte Nova e comemorar o acesso à Série B. A confusão fez demorar ainda mais o atendimento às vítimas.

O momento selou a morte da Fonte Nova, o principal palco esportivo da Bahia, tal como era. Um ano depois, o estádio está exatamente como foi deixado no trágico dia. Um olhar atento, pelo lado de fora, ainda revela vestígios de sangue das vítimas – bem como malhas metálicas, enferrujadas e à mostra, que sustentam a arquibancada e prenunciavam a tragédia iminente.

Pedaços de concreto ainda caem com relativa freqüência das arquibancadas superiores, causando sustos nos sem-teto que insistem em morar sob a construção condenada. A ocupação começou tímida, com uma família de mendigos que havia sido expulsa da antiga “morada” por outros. Hoje, chega a 40 o número de pessoas que dormem no local. Entre eles “cinco ou seis” crianças, segundo um dos moradores.

Eles ocupam exatamente o local onde ocorreu a tragédia, que fica fora do alcance dos olhos de quem passa pelas avenidas que circundam a arena esportiva. Protegem-se dos escombros que caem montando tendas improvisadas de madeira. E, cansados de uma suposta perseguição por parte de agentes da prefeitura e do governo estadual, são bastante hostis a visitantes.

Indenizações

Enquanto a Fonte Nova vira ruína, a maioria dos familiares das vítimas ainda luta pelo direito a indenizações. O seguro-torcedor, fornecido pela Excelsior Seguros e embutido pela CBF no preço dos ingressos, garante ressarcimento de R$ 25 mil em caso de morte e foi pago a cinco das sete famílias de vítimas.

Uma situação a ser resolvida é a da família da vendedora Midian Andrade Santos, que tinha 23 anos quando foi tragada pelo rasgo na arquibancada e não sobreviveu à queda. O processo está em andamento na Justiça, por causa de um impasse entre o ex-companheiro da vendedora e os pais dela. Ele reivindica metade do valor do seguro. Os pais, Carmem Andrade Santos e Elias Teixeira, querem que o valor fique integralmente com a filha única de Midian, Karen, de 6 anos. “É para a faculdade dela”, alega a avó, que hoje cuida da criança.

O outro caso é o da família do autônomo Anísio Marques Neto, que tinha 27 anos quando morreu na tragédia. Ele teria três filhos, de três mulheres diferentes. A companheira fixa, mãe do filho mais velho, porém, recorreu à justiça para que as outras façam exame de DNA para comprovar o parentesco. Se a paternidade for verificada, cada criança terá direito a uma parte do valor total

Se faltam dois seguros a ser pagos, as famílias de cinco das vítimas ainda não começaram a receber a pensão especial do governo do Estado, regulamentada por um decreto do governador em 24 de abril. A primeira beneficiada, segundo a Secretaria de Administração da Bahia (Saeb), foi Janilce da Silva Teixeira, viúva de Joselito Lima Júnior.

Ela passou a receber, em outubro, a pensão, que vai durar até a data do que seria o 68º aniversário dele, como determina a lei. Como Joselito não tinha emprego registrado no momento da tragédia, a pensão é de um salário mínimo – com pagamento retroativo à data da tragédia.

A segunda beneficiada foi a mãe de Milena Vasques Palmeira, que teve o pagamento da pensão autorizada no dia 12. Pelo mesmo motivo do caso de Joselito, a beneficiária receberá um salário mínimo mensal do Estado. Em outros quatro pedidos, de acordo com a Saeb, há dificuldades com a documentação exigida pela lei e com conflitos internos nas famílias para que a pensão seja liberada. Segundo a assessoria de imprensa do governo, a Defensoria Pública foi acionada para ajudar os beneficiários nos trâmites legais.

Uma das famílias, a de Jadson Celestino Araújo Silva, porém, não quis receber a pensão e entrou na Justiça contra o governo do Estado, para tentar receber outro tipo de indenização. Além do seguro e da pensão, as famílias das vítimas ainda esperam a definição da Justiça sobre a ação civil pública movida pelo Ministério Público, que pleiteia uma indenização, pelo governo do Estado, independente das pensões.

Ela se baseia no princípio de culpa da administração pública baiana no episódio, base de uma ação criminal do MP contra o chefe da Superintendência de Desportos da Bahia (Sudesb), Raimundo Nonato Tavares da Silva, o ex-jogador Bobô, e o antigo diretor técnico do órgão, Nilo Santos Junior, exonerado em janeiro. Os dois foram denunciados por homicídio culposo (sem intenção de matar), por suposta negligência nas análises técnicas sobre a capacidade de operação do estádio. O processo está em fase de audiências com testemunhas. Com informações da Agência Estado

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