O Cinquentenário da Inesquecível Conquista da Taça Jules Rimet

O Cinquentenário da Inesquecível Conquista da Taça Jules Rimet

João Saldanha e Zagalo foram os treinadores que tiveram as maiores "dores de cabeça"

O Cinquentenário da Inesquecível Conquista da Taça Jules Rimet

Tudo começou em 1969, em pleno auge da Ditadura Militar, quando o povo brasileiro amargava os “anos de chumbo” impostos pelo Ato Institucional n⁰ 5, o famigerado AI-5, quando o então presidente da Confederação Brasileira de Desportos-CBD, João Havelange, convida o jornalista João Saldanha para ser o treinador da Seleção Brasileira nas Eliminatórias da Copa de Mundo de 1970. Como na época, havia no futebol brasileiro uma farta safra de craques, com o Santos de Pelé & Cia., e o Botafogo de Gerson e Jairzinho sendo detentores dos melhores craques do futebol brasileiro, ficou mais fácil para o treinador formar a melhor Seleção Brasileira de todos os tempos, a qual, de tão boa que era, foi batizada como “As Feras do Saldanha”. E para formar à base daquele famoso escrete, bastou convocar mais de meio time do Santos, com a zaga servindo de base (Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel, Rildo e mais, Clodoaldo, Edu e Pelé); uns quatro do Botafogo (Paulo César Caju, Rogério, Gerson e Jairzinho); e mais, Felix e Marco Antônio (Fluminense); Ado e Rivelino (Corinthians); Wilson Piazza, Fontana e Tostão (Cruzeiro); Brito (Vasco da Gama), Everaldo do Grêmio e mais alguns jogadores de outros clubes, com o Escrete Canarinho se classificando com os pés nas costas para à Copa do México.

 

Quando se imaginava que o treinador João Saldanha estava firme do cargo, faltando pouco mais de dois meses para estreia da Seleção na Copa, foi demitido, por motivos que jamais foram esclarecidos. Na época, surgiu rumores de que a saída foi por questões políticas entre o treinador que era um velho militante do antigo Partido Comunista e o governo Militar e, ainda houve a teoria da conspiração dando conta de que o treinador não cedeu às pressões do então presidente Médici para convocar o centroavante Dario, o Dadá Peito de Aço , cujo futebol, encantava o presidente e o João Saldanha teria dito ao General que ele escolhia o seu ministério, mas, a seleção brasileira ele não escalava. O fato foi que Saldanha foi demitido pelo presidente da CBD, João Havelange que imediatamente, contratou Zagalo para substituí-lo. Não houve solução de continuidade porque o time havia realizado uma excelente campanha nas Eliminatórias, jogando um grande futebol, o novo treinador fez os ajustes no time que julgou necessários, que acabou se constituindo na melhor seleção brasileira de todos os tempos, com as “Feras do Saldanha” passando a ser, “As Feras do Zagalo”.

Vários fatos inéditos ou curiosos marcaram a Copa do Mundo do México. Na época, embora o rádio ainda fosse o principal veículo de comunicação do país, principalmente, mas transmissões esportivas, foi a primeira Copa do Mundo transmitida ao vivo pela televisão brasileira, mesmo com as imagens em preto e branco, era uma grande novidade para o telespectador, aliás, dizem que alguns privilegiados, como o então presidente Médici assistiu os jogos ao vivo e à cores. Para que fosse viabilizada a transmissão para o Brasil, se formou um “pool” de emissoras formado pela Globo, Emissoras & Diários Associados e outro grupo, cujo nome, não recordo no momento, com cada emissora tendo sua equipe e horários pré-definidos para transmissão dos jogos, mas, o narrador que roubou à cena, encantando o povo brasileiro (o “Galvão” da época), foi o saudoso Geraldo José de Almeida com o seu Rosário de bordões “Que é que é isso, minha gente”, “Linda, Linda, Linda”, “Olha lá, olha lá no placar”, dentre outros, que já estavam na boca do telespectador.

Quanto aos fatos curiosos, além da inesperada demissão de João Saldanha, por incrível que pareça, mesmo aquela seleção sendo considerada, até o momento, como a melhor seleção brasileira de todos os tempos, muita gente não sabia e poucos souberam que, só para contrariar, o time contava no ataque com dois atletas que eram “deficientes visuais”. Em 1969, durante às Eliminatórias da Copa do México, o então técnico João Saldanha teve acesso aos exames clínicos de Pelé e constatou que o Rei do Futebol sofria de uma acentuada miopia que poderia prejudicar seu desempenho dentro de campo, principalmente, em jogos noturnos, nas finalizações ao gol, fato que foi confirmado pelo próprio Pelé. Já no final do mesmo ano, num jogo Cruzeiro x Corinthians, válido pela então Taça de Prata, Tostão, numa disputa de bola com um zagueiro do time paulista sofreu um deslocamento da retina, que por pouco, não encerrou, precocemente, sua carreira.

O jogador ficou afastado dos gramados por algum tempo e, já faltando quatro meses para o início da Copa, foi submetido à uma complexa e delicada cirurgia nos Estados Unidos, realizada com sucesso, no entanto, os médicos responsáveis pelo procedimento cirúrgico, em nenhum momento, asseguraram que o seu desempenho dentro de campo seria o mesmo de antes dele sofrer a lesão. Resumo dessa ópera bufa: Tostão, o “Pé de Ouro de Minas Gerais”, como era denominado pelo grande locutor esportivo Waldir Amaral, antes da cirurgia, já havia “arrebentado” nos jogos eliminatórios, foi um dos destaques e goleadores da Copa, marcando lindos e decisivos gols, dando passe para outros, sem esquecer que até hoje, permanece como o maior artilheiro do Cruzeiro com 249 gols.

Quanto à Pelé, “O Deus de todos os estádios” como era chamado por Waldir Amaral, com toda sua “miopia”, além de ter marcado uma enxurrada de gols tanto no Santos como na Seleção Brasileira, em todas as competições em que protagonizou marcando quase 1.300 gols, ele mesmo declara que foi sua melhor e mais completa Copa do Mundo. O cara, só faltou fazer chover: com uma cabeçada que, proporcionou ao goleiro da seleção inglesa, Gordon Banks a defesa mais bonita e difícil do século passado. Teve, também, o lance da tentativa de fazer um gol do meio do campo no jogo contra a Checoslováquia, quando viu o goleiro adiantado e tentou encobri-lo e, também, o drible de corpo dado em cima do goleiro uruguaio, mas, pecou na finalização. Simplesmente, lances geniais, típicos do Rei do Futebol que, nem sua miopia conseguiu impedi-los. Imaginemos, se o atleta enxergasse 100%?

Creio que quem teve o privilégio e o prazer de ter vivido aquele momento mágico do futebol brasileiro, mesmo com os efeitos colaterais da ditadura militar que constrangia e atormentava o povo brasileiro, se sentiu muito feliz ao reviver um raro espetáculo que os canais de televisão não pouparam esforços em reprisar e repercutir nesse último fim de semana, aquela linda e inesquecível história escrita por aquela plêiade de craques, genuinamente, brasileiros, autênticos filhos da Pátria sem nenhum ranço ou costumes europeus, enfim, profissionais sérios, responsáveis e totalmente comprometidos com o futebol brasileiro que tiveram o privilégio de vestir o tradicional uniforme canarinho, honrando o nosso Pavilhão Nacional.

Para aqueles que não tiveram à sorte ou o privilégio de ter visto a prática do futebol-arte, o futebol-show e acadêmico, enfim, o suprassumo do futebol, tiveram a oportunidade de observar como aquela SELEÇÃO REPLETA DE CRAQUES atuava e fazer suas comparações com a nossa atual SELEÇÃO RECHEADA DE EUROS, cheia de tatuagens, chuteiras coloridas, cortes exóticos de cabelo, brincos e outros penduricalhos, formada, na sua grande maioria, por cracks que atuam no futebol europeu, com pouca ou nenhuma identificação e/ou comprometimento com o futebol brasileiro.

Não me canso de afirmar que João Saldanha e Zagalo, foram os treinadores que tiveram as maiores “dores de cabeça” para convocar jogadores para Seleção Brasileira para disputar a Copa do Mundo México, por se tratar de uma época em que existiam, em profusão, verdadeiros craques, na acepção da palavra, o que acabava se tornando tecnicamente difícil a convocação de 22 jogadores, escalar 11 titulares e escolher 5 para o banco de reservas, era o que ditava o regulamento em vigor na época.

Quando Zagalo assumiu o comando da Seleção, de cara, teve que resolver dois “problemas” o esquema de jogo 4x2x4 que vinha sendo utilizado por João Saldanha e que vinha dando certo, para implantar o esquema 4x3x3 que acabou dando, mais certo ainda, por ter levantado o título mundial, mas, a mudança de esquema ocorreu em função de haver dois excelentes médios volante no grupo que era Clodoaldo do Santos, o mais jovem atleta do time com 20 anos de idade e pouca experiência e o tarimbado Piazza do Cruzeiro, já com 27 anos e ambos, não podiam ficar fora do time por serem autênticos craques e aí, ele improvisou Piazza de quarto zagueiro e escalou Clodoaldo na sua posição de ofício que era médio volante, o que obrigou o obrigou a fazer algumas alterações na zaga, na meiúca e no ataque, passando a jogar no 4x3x3, pois enquanto o time de Saldanha atuou nas Eliminatórias num 4x4x2 com: Félix, Carlos Alberto, Djalma Dias, Joel e Rildo; Piazza e Gerson; Jairzinho, Tostão, Pelé e Edu. Zagalo começou e terminou a Copa jogando num 4x3x3 sendo formado com: Félix, Carlos Alberto, Brito, Piazza e Everaldo, Clodoaldo, Gerson e Rivelino; Jairzinho, Tostão e Pelé, inclusive, este foi o time que sobrou em campo naquele memorável jogo no estádio Asteca, goleando a Itália por 4×1, foi campeão com gols marcados por Pelé, Gerson, Jairzinho e do “capita” Carlos Alberto e o detalhe, foi que não houve durante a partida, nenhuma substituição no nosso escrete canarinho.

Para finalizar, não poderia me omitir em fazer o registro de lamentar o bônus político advindo daquela grande conquista do futebol brasileiro, quando o então presidente Emílio Garrastazu Médici colheu, à exaustão, todos os dividendos políticos daquela excepcional conquista. O povo vivia acabrunhado, com suas liberdades de expressão cercadas pelo famigerado AI-5, o país enfrentando graves problemas sócio-econômicos, dentre outras agruras. Com a conquista definitiva da Taça Jules Rimet e consequente, a alegria e euforia do povo, o governo Médici resolveu colher os louros da conquista e começou a faturá-los, politicamente, tentando fazer média com o povo, criando vários slogans: “O petróleo é nosso”, “Brasil, ame-o ou deixe-o”, “Milagre econômico”, dentre outros artifícios para tentar tapear o povo. Este, infelizmente, foi o lado ruim daquela conquista, sua manipulação política pelos generais.

#FiqueInCasa

José Antônio Reis, torcedor do Bahia e colaborador do Futebol Bahiano.

 

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José Antônio Reis

Torcedor Raiz do Bahêa, aposentado, que sempre procura deixar de lado o clubismo e o coração, para analisar os fatos de acordo com a razão. BBMP!



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