O comportamento violento das torcidas de futebol é um fator que ratifica a importância de uma visão da atividade fundamentada nos conceitos da sociologia. Afinal, o que acontece no ambiente esportivo é apenas a transposição da lógica e dos problemas estabelecidos pela própria sociedade.
“As origens da violência estão na própria sociedade. Os indivíduos podem ser apáticos ou agressivos de acordo com a comunidade em que vivem. Essa diferença é estabelecida por sua formação e pelo entorno”, aponta a autora do livro “Futebol e violência”, Heloísa Helena Baldy dos Reis, que passou cerca de dez anos estudando as manifestações de comportamento hostil na modalidade.
Essa explicação, aliás, mostra que a violência faz parte do cotidiano de qualquer esporte e que o futebol não é uma exceção. A diferença é que, por ser a modalidade mais popular do mundo – atualmente, movimenta cerca de 1 bilhão de pessoas -, o futebol tem problemas de proporções maiores e mais catastróficas.
Por conta de suas proporções, as manifestações de violência envolvendo torcedores de futebol – sobretudo em dias de jogos – acabaram virando um problema de segurança pública. O que potencializa esses confrontos entre aficionados, no caso da realidade brasileira, é a soma de uma legislação frágil e da ausência de um trabalho de base para o combate das causas.
“Em diversos países, a violência foi combatida e teve quedas sensíveis em função da aplicação de leis rígidas. O Brasil enfrenta uma situação de fragilidade judiciária e de frustração social. Muitas vezes, o comportamento agressivo é reflexo de problemas no cotidiano. Portanto, a violência deve ser combatida em sua origem”, estabelece Heloísa.
Um dos casos mais emblemáticos de violência ligada ao futebol é o futebol da Inglaterra. O país sempre foi conhecido pela agressividade de seus torcedores, identificados como hooligans. Essas facções protagonizaram seguidas cenas de selvageria e confronto físico no ambiente esportivo, deixando de ser um problema inerente apenas à esfera do futebol e assumindo a condição de ameaça ao bem-estar social.
Alguns autores chegaram a comparar o comportamento dos hooligans com o de viciados, dizendo que a prática de atos violentos em estádios seria a droga desses torcedores. A prática da violência pelos jovens potencializa a excitação, aumenta os níveis de adrenalina e abre caminho para que eles participem do espetáculo montado pela mídia, deixando o papel de meros espectadores e assumindo a condição de protagonistas do espetáculo.
O mais curioso é que o perfil dos hooligans mostra que a maioria dessas pessoas sempre foi composta por trabalhadores comuns, muitas vezes exemplares, que deixam seu estilo de vida sereno e correto apenas durante o futebol. Depois, retomam casas, famílias e empregos extremamente comuns.
No entanto, pesquisas espanholas reforçam a idéia de que as atitudes violentas têm origem ligada a problemas sociais. Por exemplo, 75% dos torcedores envolvidos em confrontos nos estádios não tiveram iniciação no futebol em escolas ou clubes. Isso mostra que o fanatismo muitas vezes está arraigado nas pessoas que gostam do esporte e não têm talento ou condição de fazer parte dele.
Pesquisas também apontaram a presença de problemas como alcoolismo, abuso sexual, drogas e racismo ligados aos torcedores mais agressivos. Alguns deles possuem até ligação com grupos nacionalistas ou neonazistas, transformando o campo de futebol em plano de fundo para a exteriorização de suas posturas deturpadas.
“De uma forma geral, a violência está inserida em um contexto social. No Brasil, essa prática ainda é apoiada pela percepção de impunidade que reina na sociedade”, pondera Heloísa.
No início dos anos 1990, executivos responsáveis pelo futebol na Inglaterra tomaram medidas drásticas com o intuito de reduzir a violência nos estádios. Essas mudanças incluíram reforço na segurança, penas mais severas para os torcedores e um controle mais rígido de seu comportamento.
Os alambrados foram banidos dos estádios ingleses, substituídos por placas que lembram que a invasão de campo é um crime. As melhorias de conforto e segurança nos estádios causaram uma redução nos índices de violência, mas também aumentaram drasticamente o preço médio dos ingressos na Inglaterra.
“Existem muitos tipos de violência, e podemos destacar a racional. Isso é o que acontece quando torcedores promovem ataques premeditados e até ensaiados a seus rivais, e isso é o mais comum no futebol. Outros países apostaram nas leis rígidas para combater isso e tiveram sucesso”, compara Heloísa.
No Brasil, a discussão sobre a violência nos estádios só se tornou mais presente na realidade social depois de um confronto entre as torcidas de São Paulo e Palmeiras no Pacaembu, em jogo válido pela Supercopa de juniores de 1995, que matou um torcedor do time tricolor.
As discussões acerca do tema, contudo, não foram suficientes para originar medidas contundentes de repressão à violência no Brasil. Desde então, muitas outras cenas de selvageria aconteceram nos estádios do país e o embate entre torcedores ainda é uma ameaça constante.
“Impediram os torcedores de entrarem nos estádios com bandeiras, camisetas e instrumentos musicais. Depois, proibiram a venda de bebidas alcoólicas. Muitas coisas foram feitas para diminuir a incidência de atos violentos, mas faltam medidas que façam esse combate na raiz do problema”, conclui Heloísa.
Artigo originalmente publicado no site Cidade do Futebol