Uma das melhores virtudes de um novo ano é poder sonhar com dias melhores; é inspirar a ideia de que o melhor ainda está por vir e expirá-la com certeza de que somos senhores dos meios para chegar ao objetivo. Em momentos como tal de grande sinestesia, costumo lembrar-me das palavras escritas há mais de meio século por Erasmo de Rotterdam, para quem não se mostra justa a noção que os homens têm da Loucura. Para ele, além de outros aspectos, louco é quem não ousa sonhar, quem não reconhece que é a Loucura quem confere sabor à vida. Por isso, se é para sonhar, proponho aos meus amigos Tricolores serem loucos por uns minutos ou serem loucos o resto do ano, ou, quem sabe, entrarem em um projeto que nos leve de volta ao local de onde não deveríamos ter saído: ser o campeão dos campeões. Vamos lá?
É verdade que, se voltarmos aos anos de maior dificuldade, até seria sensato pensar que nos tornaríamos um time de segunda ou terceira grandeza, que jamais ocuparíamos posição de destaque no país, que jamais a torcida sentiria pelo time o mesmo amor e admiração de outrora. Contudo, a maioria de nós se recusou, como um menino birrento, a aceitar que tudo estaria acabado, a entregar-se ao adeus – reservadas algumas vozes da falsa razão, da inveja ou do puro agouro e da falta de coragem de rogar pelo improvável.
O ano de 2017 nos lembrou de que estamos no caminho certo, que não se arruma a casa começando pela pintura. Ainda estamos em obras: tiramos o parasita e seus comparsas, reestruturamos as finanças do clube e o departamento de futebol, montamos, pela primeira vez em anos, um time realmente competitivo respeitando a base criada no ano anterior. Como resultado, o clube deu ao torcedor a certeza de poder lutar de igual para igual contra qualquer outra agremiação. Batemos nos chamados grandes, dentro e fora de casa. Tivemos jogos realmente memoráveis. Voltamos a ser campeão de um torneio regional, mas de grande valor.
Entretanto, ainda há trabalho a fazer. Para ser o time que arrasta multidões, o verdadeiro campeão dos campeões, o Bahia demandará intervenção da Loucura. Aqui, antes que os chatos de plantão, os senhores da falsa razão, levantem (ou melhor, apontem) o dedo e iniciem críticas intermináveis, deixe-me caminhar mais um pouquinho e explicar o porquê da palavra “Loucura” iniciar-se com letras maiúsculas.
Não digo que o Bahia deva ser entregue ao amadorismo ou irresponsabilidade das administrações pretéritas, cujo propósito era qualquer outro senão o melhor para o clube. Digo que é necessário continuar a arrumar nosso quintal, mas isso apenas não será suficiente. Para Erasmo, personificando a própria Loucura, dois obstáculos impedem o sucesso nos negócios: “a hesitação que perturba a clareza de espírito e o medo que mostra o perigo e impede a ação”. Nesse sentido, “a Loucura livra-se deles com a maior felicidade, mas são poucos os que compreendem a imensa vantagem que há em jamais hesitar e a tudo ousar”.
Temos que ousar. Melhor, o Bahia tem o dever de ousar. Mas em que?
Ousar em não vender os craques do time, principalmente quando um concorrente oferece caminhão de dinheiro, pois apostamos que aqueles jogadores poderão nos dar (e não dar a eles) preciosos pontos no campeonato; apostar em um atleta diferenciado, talvez alguém que poucos investiriam; trazer de volta e unir o elenco em torno de um treinador que iniciou belo trabalho no ano de 2016, mas que não se atreveu a dizer sim para um projeto maior do que ele. Não hesitar em manter por mais um ano a base de atletas e qualificar ainda mais o elenco com os anos que se seguem, fazendo disso não só um projeto para um biênio, mas uma filosofia dentro do clube. Dar-se a chance de abastecer o time profissional com jogadores formados em uma das melhores categorias de base do país. Ter o melhor e mais rentável programa de sócios-torcedores do país. Incentivar o retorno de pessoas de bem às arquibancadas, desestimulando, de modo pioneiro, a presença daqueles com duvidosa intenção.
Trazer um ou dois craques totalmente identificados com o Clube, jogadores acima da média que tenham prazer de jogar pelo Bahia e que talvez, apenas talvez, compartilhem um pouco dessa Loucura de querer ser campeão mais uma vez. Conseguem ousar criar na mente o seguinte quadro: Daniel Alves, como capitão do time, levantando a nossa terceira taça, junto com um ou dois parceiros Loucos por fazer parte da nossa história?
Por que não?
Enfim, “sei muito bem o conceito que têm de mim [Loucura] os homens e sei também todo o mal que procuram dizer da Loucura, mesmo entre os loucos. Entretanto, sou eu a única capaz de alegar os deuses e os homens”. Quem sabe se, nesse novo ano de 2018, nós alterarmos nossos próprios paradigmas, ousássemos mais e trabalhássemos nesse sentido, não seriamos mais felizes e, por tabela, alegraríamos os Deuses do Futebol, os quais certamente desfrutam da companhia da Loucura?
Por: Eduardo da Silva Rodrigues, torcedor do Bahia, advogado e amigo do Futebol Bahiano.