“Bahia em consolidação nacional. Problema, mesmo, só em campo”

Jornalista destaca a recuperação financeira do Bahia após democratização

Em seu Blog, no site Globoesporte, o Jornalista Rodrigo Capelo, especializado em negócios do esporte, fez uma análise da recuperação financeira e administrativa do Esporte Clube Bahia nos últimos anos, após passar por um intenso e marcante período de democratização saindo do “tempo das trevas”, onde esteve por muitos e muitos anos. “Guilherme Bellintani cumpriu com folga todos os itens do orçamento para a temporada, elevou receitas e fez novos investimentos em atletas e infraestrutura. Problema, mesmo, só em campo”, comentou o jornalista, que trouxe dados do crescimento do Esquadrão nas finanças, mas frisou que no futebol o Esquadrão ainda anda devendo.

 

Em 2019, por exemplo, foi eliminado na primeira fase da Copa do Nordeste e no segundo turno do Campeonato Brasileiro teve uma queda de rendimento chegando a ficar quase 10 jogos sem vencer. Esse ano, caiu na primeira fase da Copa do Brasil para o River-PI. Apesar dos insucessos em algumas competições que frustraram o torcedor, o clube mostra estar no caminho certo e vem ano a ano se restruturando e se fortalecendo.

Veja abaixo a análise de Rodrigo Capelo:

Depois de um intenso e marcante período de democratização e recuperação financeira e administrativa, o Bahia começa a experimentar novos desafios em sua consolidação na primeira divisão do futebol brasileiro. Guilherme Bellintani, seu presidente, que o diga. Recentemente, o dirigente precisou se explicar algumas vezes. Na etapa final do Campeonato Brasileiro do ano passado, por exemplo, o time perdeu rendimento e ficou oito partidas sem vencer. Acabou em 11º. “Bellintani omisso” e “time sem vergonha” foram pichados nas paredes do centro de treinamento, no início desta temporada, após a eliminação precoce na Copa do Brasil e a derrota em um clássico local. O presidente manteve o técnico Roger após uma “conversa dura”.

Bellintani experimenta a pressão por maus resultados recentes no futebol porque o sarrafo subiu. O Bahia não é mais um recém-chegado da terceira divisão, nem está super-endividado. E a torcida sabe disso. Em 2019, faltou muito pouco para que o faturamento tricolor fosse maior do que o endividamento. Teria sido a primeira vez pelo menos desde 2003, até quando vai o arquivo de balanços financeiros do blog.

A guinada que a linha azul dá, no gráfico abaixo, mostra o crescimento orgânico que o Bahia tem demonstrado nos últimos anos. Sendo que uma receita de praticamente R$ 190 milhões o deixa empatado com clubes do Sudeste que no passado estavam várias vezes à frente. Alguns fatores explicam a receita maior. Como o início de uma fórmula de distribuição dos direitos de transmissão mais meritocrática. Se há dez anos o Bahia recebia a metade do Botafogo por questões políticas, por exemplo, as regras do modelo que começou a vigorar em 2019 tornaram possível arrecadar quase a mesma coisa.

Na área comercial, a diretoria tricolor apostou na marca própria e em sua loja. Acabou o ano com arrecadação próxima a R$ 10 milhões apenas nesta linha. Lógico, a operação também trouxe novas despesas, mas a diferença tem sido positiva de qualquer jeito. As bilheterias na Fonte Nova foram mantidas quase no mesmo patamar da temporada anterior, e as associações mais do que dobraram. A participação da torcida sobre o faturamento continua alta.

A novidade mais importante, no entanto, está nas transferências de atletas. Desde o rebaixamento para a terceira divisão em meados dos anos 2000, o Bahia nunca conseguiu arrecadar tanto com jogadores quanto agora. A receita líquida nesta rubrica quase triplicou. Quando colocados em paralelo com as projeções feitas pelo departamento financeiro para o 2019, os valores realizados confirmam o conservadorismo (no bom sentido) e a organização. Nenhuma receita ficou abaixo do que havia sido planejado. Apenas acima.

Nesse cenário, as demonstrações financeiras deixam claro que Bellintani partiu para riscos um pouco maiores do que o clube estava acostumado. A projeção para a folha salarial – combinação de salários, encargos trabalhistas, direitos de imagem e de arena – foi extrapolada em R$ 8 milhões sobre o orçamento. Como receitas também subiram, não teve problema. O Bahia fechou com superavit até maior do que previa.

O incremento da folha salarial é uma excelente notícia para a torcida – ainda que os insatisfeitos possam questioná-la em relação à eficiência diante de adversários como River-PI ou mesmo do Vitória. Sendo o item do balanço financeiro que possui maior correlação com a performance, gastar cada vez mais com salários significa, em teoria, ter melhores jogadores em campo. Há cinco anos, o Bahia tinha a metade da folha desta vez. O crescimento tem sido rápido e consistente.

Se as receitas aumentaram, se o resultado líquido foi positivo, com um superavit de R$ 4 milhões, por que as dívidas subiram em 2019? Fica mais fácil obter a resposta ao quebrar o endividamento em partes. Na dívida de curto prazo, cujo pagamento precisará ser feito no decorrer do ano seguinte, portanto em 2020, apenas um item apresentou crescimento considerável em relação a 2019: os “fornecedores”.

E a explicação está no centro de treinamento. Como o Bahia ainda terminava a construção da estrutura e fez tudo com recursos próprios, precisou comprar materiais e serviços com terceiros variados: moveleiros, fabricantes de ar-condicionado, equipamentos para academia, lavanderia etc). São R$ 23 milhões a pagar em 2020. Do montante total, 55% da dívida tricolor corresponde ao parcelamento de impostos não pagos no passado por meio do Profut, do governo federal – que hoje Bellintani renegocia por causa do coronavírus.

Com empréstimos bancários quase zerados, a única parte do endividamento que ainda suscita preocupações é a trabalhista. Nela, parte relevante está sendo discutida em ações judiciais que podem ocasionar perdas próximas a R$ 35 milhões. Além de acordos com ex-jogadores e ex-funcionários que ainda estão sendo quitados. Ainda que o passado faça peso sobre o presente, a realidade é que, nos bastidores, o Bahia é um dos poucos clubes da elite nacional com situação “tranquila” – só mesmo o Athletico-PR, sentado em centenas de milhões de reais decorrentes de transferências, parece melhor.

Há desafios de curto e médio prazo. A pandemia do coronavírus impôs dificuldades mesmo aos mais organizados. Patrocínios que estavam sendo negociados e próximos de fechar foram interrompidos. Receitas com bilheterias serão afetadas pelos portões fechados. Em paralelo, a pressão aumenta sobre o futebol quando as coisas estão boas demais fora de campo. O diretor de futebol Diego Cerri e o técnico Roger precisarão ser eficientes para satisfazer uma torcida que exige e exigirá mais do que na época da reconstrução.

Por fim, Guilherme Bellintani tem também a responsabilidade de não assumir riscos demais ao perseguir as vitórias. O crescimento do Bahia o coloca à frente, financeiramente, de muitos adversários tradicionais – não apenas ao colar em receitas, mas pela capacidade de pagar salários em dia. Achar o equilíbrio para manter o crescimento sem ameaçar o futuro, no desafiador cenário da Covid-19, é uma missão e tanto.

Análise de Rodrigo Capelo – Jornalista especializado em negócios do esporte.

 

Autor(a)

Redação Futebol Bahiano

Contato: futebolbahiano2007@gmail.com

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