O baiano Marcelo Chamusca de 51 anos com passagem pelas divisões de base do Bahia e Vitória, auxiliar técnico do titulo da Copa do Nordeste em 2002 é só alegria com a conquista do acesso do Ceará para a primeira divisão, afinal além do feito, ganhou visibilidade e por ai, pode deslanchar sua carreira de treinador de futebol. Chamusca não é novo no futebol, no entanto antes de abraçar a carreira de técnico passou pelos cargos coordenador e treinador de categorias de base, gerente de futebol e auxiliar e somente apenas 2012 quando assumiu o comando técnico do Vitória da Conquista no Campeonato baiano e em pouco tempo entrou na história do Ceará.
Nesta segunda-feira, o treinador foi alvo de entrevista no jornal O POVO do Ceará, onde falou do inicio de sua carreira e garantiu estar pronto para disputar sua primeira Série A como treinador.
Veja a entrevista completa
O POVO – O acesso com o Ceará foi a maior conquista da sua carreira?
MARCELO CHAMUSCA – Com certeza. Pela importância, pelo desafio e pela grandeza do clube, essa é a maior. Só comecei a ter um entendimento da dimensão desse acesso quando chegamos no aeroporto e vimos a recepção da torcida (no último dia 19). Foi o maior desafio e também o maior feito da minha carreira.
OP – Ter assumido um elenco já montado, ao chegar na 10ª rodada, tornou o desafio maior do que se você tivesse montado o time desde o início, indicando jogadores?
CHAMUSCA – Um dos motivos que me fizeram aceitar o convite foi ter visto qualidade no elenco, e vi que era possível realizar um bom trabalho. Já peguei trabalhos no meio do campeonato e tive êxito, então não tive nenhum problema porque me adapto bem a esse tipo de situação.
OP – Como foi a adaptação do elenco ao seu estilo? Os jogadores abraçaram logo sua causa?
CHAMUSCA – Houve uma “liga” muito rapidamente. Desde a minha primeira palestra senti que houve uma assimilação por parte dos atletas e a gente criou um vínculo. As características e personalidades dos jogadores no vestiário se encaixaram muito com a minha forma de trabalhar. Isso foi muito importante. O grande trabalho do técnico não é só dar um padrão tático e treinar o modelo de jogo. É conseguir seduzir os jogadores dentro do vestiário. E a palavra sedução é muito forte nesse sentido, para que eles acreditem no seu trabalho e na sua causa. E eles passaram a acreditar na minha causa, que era subir o Ceará para a Primeira Divisão.
OP – Qual o diferencial do elenco do Ceará para ter conseguido o acesso?
CHAMUSCA – É um grupo muito unido. Estavam todos em busca de uma única causa, e fomos juntos nela. O coletivo fez a diferença, essa foi a marca da nossa campanha.
OP – Qual momento foi mais marcante?
CHAMUSCA – Tivemos alguns jogos marcantes, mas o divisor de águas foi contra o Brasil de Pelotas. Sentimos que dali em diante nos fortalecemos muito para o resto da competição. Foi um momento em que o contexto, muito relacionado a imprensa e torcida, estava pressionando a gente pelo êxito do nosso rival (o Fortaleza havia acabado de subir para a Série B). E aquele momento trouxe ao nosso torcedor uma certa ansiedade, que acabou transferindo isso para o jogo, e naquela partida o Brasil de Pelotas saiu na frente. Eles fizeram um gol depois de um bate-rebate, foi um perereco dentro da área, e a gente desceu para o vestiário sob uma pressão muito grande, time vaiado pela torcida, contestado, e precisávamos vencer ali de qualquer jeito. O intervalo foi muito bom e eu fiz a substituição que entendia, e a gente conseguiu empatar, virar e vencer por 2 a 1. A vitória naquele momento foi muito importante pela forma como foi construída. Depois conseguimos uma sequência fundamental para o acesso.
OP – O acesso do Fortaleza, então, influenciou o Ceará? Gerou maior pressão?
CHAMUSCA – Internamente não. Nem a comissão técnica nem os jogadores, em nenhum momento. Isso veio muito das arquibancadas e do trabalho da imprensa, faz parte. Entendo isso e entendia o contexto.
OP – No jogo contra o Brasil de Pelotas, a substituição que você fez foi colocar o Ricardinho, que já era muito pedido pela torcida, mas você não escalava como titular. Ali você cedeu à pressão?
CHAMUSCA – Vou explicar desde o início o que foi pensado em relação ao Ricardinho. Quando cheguei, não tinha tempo para treinar e precisava colocar os melhores. Precisava do Ricardinho naquele momento. Ele entrou e nós conseguimos alternar vitórias e derrotas. E, na análise da comissão técnica, chegamos à conclusão de que precisávamos abrir mão um tempo do Ricardinho e trabalhar o aspecto físico dele. Ele vinha de um retorno de lesão, longo tempo de inatividade, pouca sequência de jogos… E nessa primeira sequência que eu o coloquei, ele sentiu o ritmo. Seria melhor segurar o Ricardinho para melhorar sua condição. Não só a comissão técnica, mas o próprio jogador, como excelente profissional que é. Ele teve queda de rendimento e todo mundo assumiu. Física, técnica e tática e até emocional. A partir do momento que teve tempo para se preparar, no final da competição ele chegou muito melhor. Então ele começou a entrar, jogar bem e suportar a intensidade, cumprindo função tática fundamental. Eu não poderia ceder à pressão porque estava preparando o jogador. Como eu ia botar se ele não estava conseguindo performar? O torcedor não entende isso. E ele não tem que entender, quem tem que entender somos nós do clube. Tem uma frase, que li num livro, que “tem uma linha muito tênue entre a teimosia e a convicção. A teimosia é uma convicção que não deu certo”. É mais ou menos isso (risos). A gente está sempre nessa linha tênue, mas todas as decisões são embasadas em informações, e ninguém tem mais informações que o treinador. Quando vem o resultado, foram corretas, quando não vem, aí há a cobrança.
OP – E como foi administrar o momento de sacar o Magno Alves, ídolo da torcida?
CHAMUSCA – Todo mundo acha que foi complexo, mas foi algo muito simples. Magno é um grande profissional, já trabalhou comigo no Japão.
Quando cheguei, escalei Magno nos quatro primeiros jogos, contra Oeste, Paraná, Figueirense e Internacional. No quinto, escalei o Élton, que fez gol na vitória por 2 a 0 sobre o Juventude, líder do campeonato naquele momento. E fizemos um jogo muito bom. Dali, com a entrada do Élton, procurei estabelecer uma justiça e um critério. Era para Élton jogar e Magno ser seu reserva, mas o Arthur começou a entrar e ser muito decisivo, e ganhou por mérito a oportunidade de ser o segundo. E sou muito criterioso, isso é algo que me fortaleceu muito perante jogadores diretoria: a forma como fui justo nessas escolhas e muito claro nos critérios. Magno sempre foi muito consciente, mesmo em jogos que ia no banco e não entrava.
OP – E o afastamento do Tiago Cametá foi pedido seu?
CHAMUSCA – Foi uma decisão quase que coletiva. Porque acabou sendo do entendimento de todos. Teve o primeiro ato de indisciplina, na véspera do jogo contra o Vila Nova. Nós conduzimos, afastamos. Foi difícil para mim aquela decisão, porque ia ter que adaptar o Richardson na posição, foi a primeira vez que fiz isso. Mas precisava me posicionar perante o meu grupo de atletas. Não gosto de guardar sujeira. Assumi toda a responsabilidade por isso. Os jogadores me pediram para dar uma nova oportunidade ao atleta, e ele voltou a cometer novo ato de indisciplina num momento imperdoável. Estava todo mundo muito compromissado e não podia deixar passar em branco. Fiquei triste, porque gosto muito de Tiago Cametá, é um jogador de muito potencial. Foi uma decisão justa, o grupo acatou, serviu até de exemplo aos outros que a nossa causa era maior que qualquer individualidade. Já falei para ele que precisa mudar, senão de nada vai adiantar o talento dele.
OP – Você fala muito na sinergia torcida-time…
CHAMUSCA – Era uma coisa que estava faltando para nós e via os outros times com isso… Paraná sempre lotando estádio, o Internacional… Eles faziam um caldeirão. Mas, a partir do jogo contra o Vila Nova, que destaquei a importância do torcedor criar uma atmosfera… Sempre acreditei que, para esse projeto de retorno à Série A, a gente precisava da diretoria, da comissão técnica, dos jogadores e da torcida. Eu cito o gol do Pìo aos 48 minutos (no empate por 2 a 2 contra o Figueirense) e o entendimento de que aquele jogo foi uma vitória para nós, pela forma como foi… São exemplos que o torcedor foi mostrando. Nosso retorno de Lucas do Rio Verde-MT em que, meia-noite, tinha 1.000 pessoas no aeroporto… Acredito muito nas energias positivas. A presença da torcida foi fundamental para nossa conquista.
OP – Quais jogadores foram fundamentais para o acesso?
CHAMUSCA – Não gosto de enaltecer nem individualizar porque poderia cometer alguma injustiça. Tem aqueles que jogaram menos, mas também foram muito importantes no dia a dia. Quando cheguei, estabeleci rodízio de capitães. Foi uma estratégia para que pudesse estabelecer não só um líder e mostrar que todos podiam capitanear. Magno Alves tem uma forma de liderar, Richardson tem outra, Éverson, outra. Fernando Henrique, mesmo sem jogar, exerce poder muito forte no vestiário, pela experiência. O João Marcos, que foi pouco utilizado, mas também tem liderança muito forte. Ricardinho, pela maturidade. Tiago Alves jogou pouco, mas melhorou muito nossa forma de liderança…
OP – Após subir, o Ceará tem condições de ficar na Série A?
CHAMUSCA – Tem boa condição, mas precisa melhorar, e todos no clube estão conscientes disso. Em todos os departamentos precisa de alguma melhora, o que é natural. O último acesso foi em 2009, o Ceará passou dois anos na Série A, e desde 2012 jogava a Série B e é um clube com estrutura para jogar Série B. Agora que conquistou o acesso, o clube adquiriu um novo status e precisa investir em estrutura para isso.
OP – Você vai continuar no Ceará em 2018?
CHAMUSCA – Minha permanência está atrelada a tudo isso que acabei de falar. Não sou um treinador que me satisfaço apenas com dinheiro. A última coisa que trato com o clube é a parte financeira. O dinheiro não me mobiliza. Para mim, ele é consequência das outras coisas. O que vou conversar com o clube é planejamento, estrutura, folha salarial…
Já conversei sobre isso com o Robinson (de Castro, presidente do Ceará) e ele está muito consciente que precisamos evoluir em alguns aspectos. O clube nos deu toda a estrutura para conquistar o acesso, mas é preciso melhorar. Minha permanência está diretamente ligada a isso.
OP – Você foi o primeiro treinador a conseguir o acesso em todas as divisões do Campeonato Brasileiro. Isso faz você mudar de patamar?
CHAMUSCA – O mercado hoje me olha diferente pelo feito que conquistei. Mas não é um feito individual. Tudo que conquistei foi pelo coletivo, desde o primeiro acesso, com o Salgueiro-PE. O que quero é usufruir dessa condição para servir como referência para esses que hoje trabalham em clubes de menor investimento e mostrar que é possível crescer através de muito trabalho.
OP – E você se enxerga um treinador pronto para a Série A?
CHAMUSCA – Sim, porque eu me preparei. Ao longo de todo esse processo. Essa foi minha primeira Série B. Muitos clubes talvez não tenham me contratado porque pensavam que eu não tinha experiência de Série B. Se for assim, você nunca vai sair do lugar. A sua capacidade tem que ser medida pela sua metodologia de trabalho. As análises não podem ser superficiais. É preciso ver a capacidade, como gestão de grupo, leitura, análise de adversários, isso que faz a diferença. Eu fui me preparando, passei por todas as etapas do futebol, fiz cursos na CBF, fui à Europa. Fiz tudo para crescer na minha carreira. Hoje me sinto muito capacitado para trabalhar na Série A.
OP – Como você virou treinador?
CHAMUSCA – Meu irmão Péricles (Chamusca, também técnico de futebol) é um exemplo pra mim. Em 1994, eu tinha 27 anos e jogava no Colatina-ES e ele era treinador do Sub-20 do Vitória-BA e tinha algumas escolinhas de futebol em Salvador.
Quando eu dava aula ele falava: “Cara, você leva jeito para ensinar”. E começou a me alertar em relação a isso. Antes eu tinha feito vestibular e comecei a estudar Educação Física, mas não me formei. Mas nesse momento vi que precisava mudar de vida. Então o Vitória me deu a oportunidade para ser treinador do Sub-17.
Com três meses de trabalho, ganhei meu primeiro título estadual, num Ba-Vi. Quatro anos depois, fui tetracampeão, sem ter perdido nenhum outro título, e recebi uma proposta para ser coordenador da base no Sport Recife. Quando o Péricles cresceu na carreira, em 2004, me convidou a ser seu auxiliar, e trabalhamos até 2012. Depois virei treinador.
OP – Alguns torcedores questionaram sua chegada ao Ceará pelo seu histórico no Fortaleza. Como foi sua recepção?
CHAMUSCA – Sabia que teria uma parte que teria dúvidas, por uma certa identidade que criei com o rival, apesar de sempre ter respeitado muito o Ceará. E por isso o Robinson apostou em mim, por nunca ter desrespeitado o clube… Quando cheguei ao Ceará também vi um respeito muito grande, mas uma certa desconfiança. Vim sabendo disso, mas acreditando que só tinha uma forma de conquistar o torcedor: através do meu trabalho. Certa vez, o Hernanes, meia do São Paulo, falou que se você conquistar o povo, nem o imperador consegue derrubar você. Foi exatamente isso que pensei: ‘preciso conquistar o povo’. E foi o que eu fiz! Mas, na verdade, não sou mais forte que meu presidente, ele é muito mais forte que eu (risos)…
OP – Você voltou ao futebol cearense por achar que deveria provar alguma coisa, devido aos dois insucessos na tentativa de subir com o Fortaleza à Série B?
CHAMUSCA – Minha convicção era muito forte de que eu tinha uma missão a cumprir. E continuo tendo ainda, né? Talvez tenha concluído apenas uma parte dela. Entendi o Ceará como uma porta escancarada para poder cumprir essa missão, pela grandeza do clube, pela necessidade, pelo elenco. Sobre o Fortaleza, o sentimento, e vejo isso até hoje quando encontro torcedores, é de que o trabalho não teve êxito. E não concordo com isso. Na verdade não teve o acesso, mas meu aproveitamento no Fortaleza foi muito bom.
OP – O que você acha de Rogério Ceni no Fortaleza?
CHAMUSCA – É um profissional que está iniciando sua história. Teve uma passagem no São Paulo muito difícil, em um ano turbulento na esfera política do clube, perdeu peças importantes no meio do caminho. Isso é muito difícil para o treinador, ter que trocar o pneu com o carro andando… Está vindo para um clube de massa, que tem estrutura de razoável para boa para as competições que vai disputar, em um Estado que é apaixonado por futebol. Mas como vai trabalhar no rival, só desejo para ele saúde (risos).
OP – Qual perfil o Ceará deve ter para a Série A 2018?
CHAMUSCA – O clube vai analisar, e aí temos um monitoramento muito bom em todas as divisões, com o Alcino (Rodrigues, analista de desempenho) e o Daniel (Azambuja, auxiliar técnico), e o Marcelo Segurado (gerente de Futebol). É uma competição de alto nível, e é preciso estar preparado para comer o filé. A análise de mercado tem que ser muito bem feita. Não é fácil, o Ceará vai lutar contra gigantes, que têm dez vezes o seu orçamento, e terá que jogar de igual para igual. E para fazer isso terá que investir em qualificação.
OP – Qual sua principal meta de carreira?
CHAMUSCA – Conquistar um título da Série A, que é o ápice para um treinador. Acho que estou no caminho certo e, pelo meu crescimento, em algum momento vou ter essa oportunidade. Mas sinto que ainda preciso me preparar mais. Vou ter que estudar mais, continuar me atualizando.
OP – Como você analisa a relação entre diretorias dos clubes com torcidas organizadas?
CHAMUSCA – A relação tem que ser essa: ir ao estádio. Se quer se organizar, vestir a mesma camisa, é válido. O que acho que não é válido é uma pessoa matar outra por causa do futebol. A partir do momento em que ocorre a violência e determinados “líderes” começam a tomar determinadas medidas, invadindo clube, tentando agredir jogadores e treinadores, a gente não pode concordar. A arquibancada é livre para qualquer tipo de manifestação. Mas, o futebol não é uma ilha, está inserido na sociedade. Tudo que acontece é reflexo de todas as áreas da sociedade.
OP – No Ceará, o técnico Gilmar Dal Pozzo foi ameaçado por torcedores antes de ser demitido. Você temeu algo parecido?
CHAMUSCA – Naquele episódio, houve um equívoco na saída do treinador, exposto daquela maneira. Eu não estava aqui, não me cabe julgar de quem foi o erro, mas que houve erro de alguma parte, houve. Se tivesse uma atenção maior teria sido evitado. Todos nós, inclusive no nosso grupo de treinadores, ficamos indignados naquele momento pela forma como ele foi tratado e o que culminou depois.
OP – O quanto os fatores extras de preparação influenciam dentro de campo?
CHAMUSCA – Diria que 100%. O futebol hoje é análise de desempenho, fisiologia, nutrição, estatísticas, estudos. Aí você pergunta: ‘ah, mas não tem o talento, a individualidade?’ Claro que tem. E os fatores externos vêm para agregar ao talento em prol do coletivo. Joguei até 1994. Trabalhei com vários treinadores e muitos jogos eram decididos pela individualidade. Só que era totalmente diferente do futebol jogado hoje, que é compacto, com intensidade, linhas mais próximas, todo mundo analisa todo mundo… Hoje não vejo nenhum clube com capacidade de crescimento sem essa rede de equipes interdisciplinares, com tecnologia, interação entre os departamentos.