Retrocesso não é trazer de volta Guto Ferreira. Retrocesso é colocar a opinião e o sentimento acima da Instituição. Se dava gosto ver o Bahia de Carpegiani jogar, não lembrava nada? Não parecia com o Bahia campeão do Nordeste? O Bahia que massacrou o Vitória na Fonte Nova, humilhou o Sport passando 90 minutos sem sofrer e perdendo gol igual se perde agulha em palheiro? Não parecia com o Bahia que massacrava quem vinha jogar na Fonte Nova na Série B de 2016? O Bahia que deu 6 no Atlético-PR, time de libertadores?
Primeiro queria deixar claro, não acho que Guto Ferreira é um gênio, um cara acima do bem e do mal, um intocável, um profissional sem erros. Apesar disso, não acho ele esse desastre todo que a esfera emocional da nossa torcida está tentando pintar. Vou tentar expor pontos positivos e negativos, mas me basear sempre em números, com pitacos de subjetividades.
Guto estreou na 13ª rodada do brasileirão da Série B. Ali o Bahia se encontrava em 9º lugar na competição, quatro pontos atrás do 4º, com a quinta pior defesa (empatado com 5 times) e o quinto melhor ataque. Vinha sob o comando de Doriva e sob uma sequência pesada de 5 derrotas consecutivas. O time que perdeu para o Brasil em Pelotas, último jogo antes de Guto assumir, teve no time titular: Marcelo Lomba, Danilo Pires, Eder, Lucas Fonseca e Moisés; Feijão, Juninho, Cajá e Régis; João Paulo Penha e Zé Roberto. Pela escalação, pode-se perceber que que o sucesso desse time era bastante improvável, mas, tão improvável quanto, era a montagem de um time qualificado, dentro da própria competição, para alcançar sucesso de maneira suficientemente rápida para figurar entre os 4 primeiros na 38ªrodada. Tarefa difícil.
Depois da chegada de Guto, o Bahia melhorou consideravelmente sua qualidade de contratação. Não podemos atribuir este aspecto positivo somente ao treinador, mas é claro e óbvio que ele, como comandante da parte técnica, tem um percentual nisso. Nomes importantes que sustentaram a boa campanha da equipe na Série B desembarcaram no Fazendão após a chegada do treinador: Tiago, Eduardo, Luiz Antônio, Allano, Renê Júnior, Victor Rangel. Apesar disso, a qualidade técnica ainda era um problema. Mesmo com a deficiência técnica, o time de Guto começou a ficar “encorpado”. Muita qualidade TÁTICA, padrão de jogo, e consistência fizeram o Bahia terminar o ano em 4º lugar, com a segunda melhor defesa, segundo melhor ataque e melhor mandante, com a terceira melhor campanha geral do returno.
Apesar desses bons números o time de Guto tinha alguns defeitos. A falta de qualidade no homem de referência era latente e prejudicava a mobilidade ofensiva, mas o que mais machucava era a TEIMOSIA do treinador que não abria mão dessa convicção justificando-a com a entrega de Hernane no momento defensivo. Outro ponto negativo e inegável era a postura de jogo covarde longe dos seus domínios, que resultou na 13ª campanha geral como visitante. No final do ano, entre erros e acertos o Bahia subiu, de forma merecida, graças as suas forças e a maturidade tática daquele time FRACO TECNICAMENTE. Foi a consistência tática e o trabalho da comissão técnica como um todo que deu ao Bahia o algo a mais necessário para reverter o insucesso das 12 primeiras rodadas (47% de aproveitamento) e transformá-lo em eficácia e resultado nas 26 rodadas seguintes (59% de aproveitamento).
O ano de 2017 chegou e com ele algumas coisas mudaram. Outras não. A filosofia de contratação do Bahia se manteve. Jogadores jovens e/ou com potencial, querendo algo na carreira, “com fome” profissional. Com isso, aliado ao tempo que Guto teve junto a direção executiva para planejar o plantel, o time ganhou mais qualidade tática, aprimorou o padrão de jogo, se tornou um time ainda mais organizado. Ofensivamente o problema do homem de referência se manteve, mas a postura longe de Salvador melhorou. O primeiro teste foi contra o Paraná.O Bahia perdeu, verdade, mas jogou um futebol para cima, com uma postura diferente da usual em 2016.
Os próximos testes foram menos piores. O Bahia enfrentou Vitória, Sport, Vasco e Botafogo, longe de Salvador (ou no Barradão) sob o comando de Guto. Os números são péssimos, 3 derrotas e 1 empate, mas o saldo é positivo. Como assim? Se entrarmos no contexto de cada partida isso fica evidente. No duelo de ida da semi do NE, o Bahia dominou o rival no campo adversário, mas teve um jogador expulso com 20 minutos do primeiro tempo, o que deixou o jogo aberto, porém, o tricolor foi elogiado por mídia e torcida pela apresentação neste dia. Na final do NE, contra o Sport, o Bahia fez um jogo de imposição na Ilha, sofrendo pouco e agredindo o Sport, apesar de ter saído com o empate. Contra o Vasco, o time jogou com os reservas, por conta da final do NE, mesmo assim entregou um desempenho aceitável, organizado, e poderia ter se saído melhor se o juiz tivesse aplicado a regra corretamente e expulsado um atleta do Vasco que impediu um jogador do Bahia de sair cara a cara com o goleiro, ainda no primeiro tempo. Contra o Botafogo talvez tenha sido a melhor partida dentre as citadas do Bahia fora de casa. O time tomou o gol em uma falha individual mas agrediu do início ao fim, a ponto de tornar melhor jogador da partida o goleiro deles.
No quesito “teimosia”, 2017 foi um ano intrigante. Muitos torcedores atribuem o excelente desempenho no final de 2017 ao acaso, já que foi por conta dele que perdemos no mesmo jogo (num espaço de 10 minutos) Hernane e Gustagol, o que obrigou o treinador a abrir mão da sua convicção e dar mobilidade ao ataque do Bahia. Isso pode ser verdade, a partir de determinado ponto de vista, porém, a estrutura dada pelo treinador ao time para que tivesse uma base de execução desse desempenho eficaz também entra na conta de Guto. Um outro fator pouco lembrado pelo “time das críticas” é que a teimosia de Guto rendeu mais bons frutos do que ruins. O treinador participou da “batida de pé” firmando a titularidade de Jean, mesmo quando ele era ODIADO pela maioria da torcida e, mesmo com a falha infantil do goleiro no BAVI de ida da semifinal do Nordeste.
Fez o mesmo com RENÊ JUNIOR, que, se dependesse de voto popular, estaria fora do Bahia em dezembro, além de insistir na manutenção de Lucas Fonseca, mesmo após as duas falhas contra o Paraná, que levaram diretamente aos dois gols adversários. Essas atitudes mostram uma visão de longo prazo boa por parte do treinador, que não se deixa levar pelo momento, “queimando” jogadores que podem vir a ser úteis ao clube num futuro próximo. Isso, além de importante desportivamente, é importante financeiramente, já que os jogadores são os ativos mais em evidência e com maior potencial de ganho a curto prazo dos clubes. Todos os jogadores citados foram destaques do Bahia ao longo da melhor campanha do clube na história do Brasileirão e Jean, com uma parcela de culpa da insistência de Guto no início do ano, se tornou a venda em reais mais cara feita por um clube do Nordeste.
Em resumo, Guto disputou 4 competições pelo Bahia. Conseguiu sucesso em duas (campeão do Nordeste e acesso a Série A) e fracassou em duas (perdeu na Copa do Brasil e perdeu o Baiano nos critérios de desempate que foram conseguidos pelo rival graças ao rodízio de elenco feito pelo Bahia nessa competição, por conta da parte física. Decisão acertada, mas que custou o campeonato do Estado). O Bahia de Guto em campo era um time organizado, com padrão de jogo definido, com um futebol moderno de transição, toques curtos, posse de bola, trabalho no último terço do campo. Fora de casa ele demonstrou evolução na sua postura.
É inegável que ela mudou pra melhor em 2017. Apesar disso, os números recentes mostram que postura e resultado nem sempre andam juntos. Um grande exemplo disso é o CARPE. O queridinho de muitos teve 29% de aproveitamento fora de casa, mesmo jogando de forma agressiva. No Brasileirão desse ano, o Bahia teve a 18ª pior campanha fora de casa, mesmo com Guto tendo jogado apenas 2 dos 19 jogos. No quesito teimosia, que pode-se incluir no campo dos defeitos, é incontestável que tal postura rendeu frutos positivos, e o negativo que renderia foi corrigido por “obra do destino”, ensinando uma lição ao professor.
Mesmo com tudo isso posto, tenho certeza que alguns ainda dirão, sem base argumentativa, que Guto Ferreira é uma má escolha ou um retrocesso. Isso se deve a decisão do treinador de sair do Bahia para o Inter, mesmo tipo de decisão que os que criticam hoje comemoraram quando a abandonada foi a Chape e o beneficiado foi o Bahia. Isso é subjetivo e não entrou na minha análise. Eu, sendo profissional, mesmo amando o Bahia iria para o Inter. Um faturamento anual três vezes maior que o do Bahia, com um acesso midiático maior e um acesso à objetivos maior, a curto prazo, é a escolha natural de qualquer profissional. Atrelado a isso, e diferente de como foi com a Chape, Guto fechou um ciclo no Bahia. Mesmo tendo recebido a proposta antes, ficou, jogou e ganhou a copa do Nordeste para só então ir embora.
Se serve de consolo, todos fariam essa escolha, de Tite à Arthuzinho. Graças ao passado tenebroso da época MGF, esse é o tamanho do nosso clube atualmente e isso só mudará com a participação e associação em massa da torcida aliados a uma administração saudável. Dito isto, concluo dizendo que a escolha por Guto pode não funcionar, essa é a graça do futebol. O jogo é jogado, e todo acerto fora de campo não é garantia de sucesso dentro dele, mas, se a questão é tentar minimizar os erros através de análises de desempenhos e números dos profissionais contratados, Guto é o nome ideal no mercado para o Bahia, que o pega em baixa, provavelmente por um valor financeiramente agradável ao clube. Vamos torcer e cobrar, mas dentro da racionalidade. Esse é o nosso papel.
Saudações tricolores.
#BBMP
Matheus Chaves, torcedor do Bahia e amigo do Futebol Bahiano.