“Crise do Bahia é fenômeno social”

jornalista João Carlos Teixeira GomesO escritor e jornalista João Carlos Teixeira Gomes, nascido em 1936, filho de um dos primeiros ídolos do Bahia, Joca (o primeiro goleiro do Esporte Clube Bahia, Teixeira Gomes), como é conhecido desde os tempos da Geração Mapa – protagonizada pelo cineasta Glauber Rocha -, deve ao tricolor baiano o primeiro respiro de vida. Agora que o clube esboça um retorno à Série C, depois de perder em casa para o Duque de Caxias (2×1), e vive uma decadência sem precedentes

Autor da melhor biografia de Glauber e de competente ensaio sobre a obra de João Ubaldo Ribeiro, Teixeira Gomes promove disparos telefônicos aos amigos a cada derrota humilhante. Fundado em 1931, o Esporte Clube Bahia caiu para a Terceira Divisão em 2005 e neste outubro beira outra vez o rebaixamento para o quinto círculo do inferno. O escritor ressalta: a crise do tricolor é um “fenômeno social”.

Leia a entrevista com o tricolor João Carlos Teixeira Gomes, ex-editor-chefe do Jornal da Bahia e autor de vários livros.

Terra Magazine – Em colapso administrativo, o Esporte Clube Bahia perdeu em casa para o Duque de Caxias e agora corre o risco de voltar para a Terceira Divisão. Filho do primeiro goleiro do clube e torcedor extremado do tricolor baiano, como o senhor analisa a derrocada do Bahia?

João Carlos Teixeira Gomes – É preciso notar, em primeiro lugar, que o Bahia não é apenas um clube esportivo, mas uma força social no Estado da Bahia. Basta que se dimensione a grandeza da torcida de um clube que, por si só, é capaz de encher um estádio das dimensões da Fonte Nova, como ficou patente para todo o Brasil, mais uma vez, no episódio da queda da arquibancada da Fonte Nova em 2007 (no jogo contra o Vila Nova). Ora, diante de um fenômeno dessa envergadura, é inconcebível que sucessivas diretorias incompetentes, notoriamente vinculadas aos interesses e às ambições do senhor Paulo Maracajá (ex-presidente do clube e atual conselheiro do Tribunal de Contas dos Municípios), venham levando em progressão ininterrupta um clube dessa força popular à completa desmoralização e à decepção profunda da sua torcida. O sofrimento hoje da grande massa que se identifica com o Bahia, pelas cores do clube e pelas suas tradições de vitórias, inclusive com dois campeonatos brasileiros, no rol de suas conquistas, é um fato que transcende a esfera puramente esportiva para se transformar num verdadeiro trauma da sociedade baiana.

O senhor fala em “trauma da sociedade baiana” e isso me leva a perguntar se a decadência do tricolor não está vinculada à própria mediocridade cultural e econômica da Bahia, que vive uma estagnação cultural profunda?

Não vejo não. Vejo no plano esportivo. Como jornalista, mais do que como torcedor, vejo a decadência do Bahia como consequência de uma espantosa incapacidade administrativa, que foi acentuada a partir dos 7 x 0 que o clube tomou na Fonte Nova em jogo contra o Cruzeiro, na gestão de Marcelo Guimarães, o pai (em 2003). Dali começou o Bahia a despencar para as divisões inferiores, sem capacidade de organizar sequer um time de futebol que mantivesse ao menos as tradições locais, de conquistas de campeonatos na Bahia.

O atual presidente do clube, que contou com muitas simpatias políticas, é filho do ex-presidente Marcelo Guimarães, que foi preso numa operação da Polícia Federal, a Jaleco Branco. A crise se origina também dessa incapacidade de se renovar?

Exatamente. Não tem havido renovação. A incapacidade de renovação administrativa se deve à permanência do grupo que, sob a chefia hoje dissimulada de Paulo Maracajá, incluiu depois uma figura sem a menor tradição no clube que foi o senhor Petrônio Barradas, sequenciando a desastrosa gestão do ex-deputado estadual Marcelo Guimarães e hoje continuada por seu filho. São notoriamente pessoas absolutamente incompetentes para soerguer um clube que vem sofrendo uma desmoralização continuada e intolerável para sua imensa torcida. Basta vermos que as sucessivas diretorias incompetentes, dentro dessa linha de continuísmo, não foram sequer capazes de fazer do Bahia uma equipe de competência média para disputar os torneios locais e nacionais. Há um dispêndio enorme de contratações de jogadores sem condições de vestir a camisa do Bahia, distanciados das tradições do clube, técnicos improvisados e, sobretudo, dispersando os recursos imensos que o clube angaria pela fidelidade da sua torcida. Medianamente administrado, com políticas realísticas em relação ao novo estágio do futebol brasileiro, o Bahia seria um clube auto-suficiente e com um substancial patrimônio físico.

E, no entanto…

Não tem nem mais acomodações dignas para seus jogadores, vai perdendo progressivamente o pequeno patrimônio que construiu ao longo dos anos, sem direito a nunca ter tido um grandioso estádio que suas tradições impunham. O conjunto desses fatos aponta para o absoluto despreparo da camarilha que ao longo de todos esses anos vem desgovernando o Esporte Clube Bahia, tendo chegado ao cúmulo de contratar um ex-dirigente do Esporte Clube Vitória (Paulo Carneiro), já expulso das fileiras do clube rival para comandar o setor de futebol do Bahia. Esqueceram-se de que esse mesmo dirigente, quando presidente do Vitória, humilhava a diretoria do Bahia nos jogos do estádio Barradão, não mencionando no letreiro sequer o nome do Bahia, que era simplesmente “o visitante”.

Paulo Carneiro, que agora foi defenestrado também do Bahia, afirmou que o tricolor tinha uma torcida de “suburbanos”

(risos) Essa eu não sabia! Ele punha “visitante” no letreiro…

Apesar da crise evidente, há uma movimentação de velhos opositores para aderir ao grupo de Marcelo Guimarães Filho. Alguns eram até raivosos. Como definir esse ensaio de adesão?

Uma coisa espantosa! Essa aproximação é uma coisa espantosa e infunde a desesperança entre a sofrida torcida do Bahia. Creio mesmo que, ao lado dos interesses permanentes de retorno do senhor Paulo Maracajá, apostando no caos para aparecer como salvador da pátria, está a ausência de uma oposição unida e capaz de trabalhar contra a atual diretoria para o soerguimento do clube. É um dos fatores que respondem pela permanência de longo tempo dos coveiros, porque não há uma proposta concreta de reação capaz de empolgar a torcida e levá-la outra vez para as ruas como em 2006. O torcedor do Bahia é hoje um desesperançado.

Você aceitaria ver um jogo do Bahia?

Para mim, ver o Bahia jogar sempre foi uma alegria imensa, pois me acostumei desde criança a ver o uniforme glorioso que meu pai vestiu como goleiro e fundador. Mas eu sou, sobretudo, amante do bom futebol, do futebol bem jogado, e os times que essas sucessivas diretorias incompetentes têm organizado nos últimos anos é de uma mediocridade de campos de interior atrasado.

Como se diz na Bahia, times pra “um baba”?

De babas, ou para o público do Sul do País, de peladeiros desastrosos.

Houve passeata de torcedores, protestos, mas há apenas, neste momento, uma apatia, um desalento. Qual o último recurso dos torcedores?

Uma boa pergunta. Em 1823, os baianos se uniram para expulsar os portugueses recalcitrantes, que permaneciam em Salvador e tentavam desunir o País. Que a torcida do Bahia incorpore o espírito revolucionário dos baianos do 2 de Julho e se una nas ruas, nas praças, pressionando nas rádios, na internet e nos jornais, os incompetentes que afundam um clube glorioso, para estabelecer a grande e definitiva reação, pois o Bahia hoje depende, exclusivamente, do amor e do poder da sua torcida, porque da sua diretoria há longo tempo só tem encontrado traição. Pois é isso exatamente o que são os diretores, a partir de Marcelo Guimarães pai e filho, Petrônio Barradas e todos os demais maracajistas (seguidores de Paulo Maracajá): traidores das glórias e de toda a rica trajetória do Esporte Clube Bahia. Reportagem de Cláudio Leal, do site Terra Magazine.

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