A fidelidade no futebol

Fazia tanto tempo que eu vinha pensado no tema “fidelidade no futebol” que resolvi escrever um texto de caráter o mais racional possível a respeito. Está na moda falar que a torcida rival é fiel e que a rubro-negra somente comparece quando o time está “na boa”. Mas será que isso sempre foi verdade verdadeira? Quem acompanha o nosso futebol há algum tempo sabe que não.

Tudo é uma questão de situação, momento. No futebol é muito comum ocorrer um apego maior ao clube do coração nas situações mais difíceis. Isso aconteceu, por exemplo, com Palmeiras e Botafogo na série B, além de Fluminense e até o próprio Vitória, na série C. E quanto maior o período de sofrimento, maior é a necessidade de demonstração de sentimento pelo torcedor.

Quem nasceu na década de noventa talvez não saiba disso, mas a torcida considerada a mais fiel do estado era a rubro-negra. Observem uma coisa. Fidelidade não significa necessariamente maior número e sim freqüência. Se uma torcida coloca 80 mil pessoas em um jogo, 2 mil no seguinte e 1 mil no terceiro, essa não é mais fiel, nem aqui, nem na China, que uma que coloca 15 mil pagantes nos três jogos.

De 1990 pra trás o Vitória era um clube carente de títulos e isso fazia com que sua torcida fosse mais fiel, apegada e apaixonada. Alguns até dizem que mesmo perdendo jogos a torcida sempre estava presente, enquanto que a rival, acostumada a vencer com freqüência, se sofresse uma mísera seqüência de derrotas praticamente dava as costas para a equipe.

Quem não se lembra das inúmeras decepções vividas pela torcida rubro-negra em anos passados (principalmente nas décadas de 70 e 80)? Ir à Fonte Nova para ver Rubão na nossa zaga era uma brincadeira de mau gosto! Ter presenciado Fito (que no futuro viria a ser nosso comandante na campanha do nacional de 93) acertar um chute do meio do campo com Gelson engolindo um frango do tamanho do planeta Terra foi de doer! (apesar de eu não ter vivido a experiência, pois nasci em 76, assisti ao tape do gol e garanto que senti a mesma dor de quem estava no Octávio Mangabeira naquele dia).

Por outro lado, quem também não se recorda das raras comemorações da torcida do Leão após título conquistado? A Fonte Nova completamente lotada tinha o gramado invadido em sua totalidade pela galera após o apito final do juiz, onde se evidenciavam imagens de devoção extrema.

Observe abaixo o vídeo, postado no Youtube pelo companheiro de Barradão On Line, Jônatas, referente ao título baiano de 85, que exibe uma declaração de Carlos Libório. Ele, acertadamente, afirma que a comemoração rubro-negra era muito maior que a “deles” que ganhavam todo ano.

O fato é que o Vitória deixou de perder títulos em bastidores, cresceu como instituição e arrebatou a hegemonia do tricolor. Isso pode incomodar alguns, mas o rubro-negro, trocando em miúdos, deixou de ser um clube derrotado e passou a peteca para o bahia. Inclusive o crescimento da torcida do Vitória, baseado em dados recentes, supera o da torcida rival, embora essa ainda seja a maior do estado.

O crescimento do Leão, em todos os aspectos, e a queda do tricolor acabaram por levar a uma inversão de valores; e as gerações de torcedores, como em qualquer época, logicamente foram afetadas. O que se observa atualmente é de um lado uma torcida antes acostumada a títulos cada vez mais agarrada a um clube na UTI, procurando expor cada vez mais sua paixão, e do outro uma geração nova de torcedores que exige cada vez mais conquistas por parte de seu time do coração e que realmente se faz mais presente ou não de acordo com o desempenho da equipe.

Imprensa – Algo importante a se destacar nesses dois momentos é a postura por boa parte da imprensa esportiva da Bahia. Quando a torcida rubro-negra detinha o título de mais fiel do estado, não era tão enaltecida pelos radialistas locais como hoje é a do bahia que vive uma verdadeira crise de identidade. O que se nota é uma grande “babação de ovo” em favor da torcida rival, inclusive em detrimento da galera rubro-negra! Isso mesmo! Além de eles elogiarem constantemente a turma tricolor, pregam que o “descaso da torcida do Leão” é fruto de questão cultural! Pode?

Uma coisa eu admito. Cair para a série C, por incrível que pareça, trouxe alguns poucos benefícios para o Vitória como, por exemplo, ter obtido apoio significativo por parte do seu torcedor durante toda “guerra da volta”. Ali a nova geração de rubro-negros precisou aprender a torcer de verdade. As campanhas das séries B e C foram abrilhantadas pela presença e fé da torcida até nos insucessos. Quantas vezes, após as derrotas, chegamos a achar que não dava mais e no jogo seguinte lá estávamos com o grito de “Vamos subir nêgooo!”? Isso foi imprescindível para a ascensão do Leão à elite do futebol brasileiro.

No futebol, acostumar-se com títulos pode levar a acomodação e desinteresse. Por isso, peço aos rubro-negros mais jovens que conversem com os torcedores da velha guarda. A fidelidade e o amor trazidos por todos eles, que viveram épocas difíceis fizeram com que o Leão não morresse pelo caminho, coisa que o nosso rival hoje luta para não acontecer. Garanto que após ouvir suas histórias, vocês se emocionarão muito e o sentimento de ser Vitória aumentará dez mil vezes dentro de seus corações.

Saudações rubro-negras!
Renato dos Anjos Ribeiro
Rubro-negro e fisioterapeuta.
E-mail: tinhojhow@yahoo.com.br

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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