E.C Bahia continua sendo uma senzala”

Rompendo um silêncio de um ano, o advogado e ex-conselheiro tricolor César Oliveira, que lidera um expressivo grupo de oposição, e que durante a vida de Osório Villas-Boas teve participação decisiva nos bastidores do Esporte Clube Bahia e a mais de dez anos cerra fileiras na oposição ao quadro de destruição que assola o Clube, concedeu ao Portal Esportivo uma entrevista exclusiva e, como sempre, bombástica, em relação ao futuro da agremiação, como se verá adiante:

Portal Esportivo: Com o Bahia vencendo, no Campeonato baiano, qual a análise que o Sr. faz da diretoria do Clube neste momento?

César Oliveira: Uma coisa é você estar na frente de um campeonato que tem apenas dois clubes em condições de vencê-lo, como tem sido recorrentemente, salvo em raras oportunidades. Uma outra completamente diferente é colocar o Bahia dentro da esfera da sua grandeza correspondente. Na verdade, de grande clube que fomos, hoje somos tão somente um time pequeno, preparador de jogadores para os clubes realmente grandes, e os exemplos recentes não me deixam mentir, como foi o caso de Daniel Alves e, mais recentemente, o grande zagueiro Eduardo, vendido por esses irresponsáveis à “preço de banana”, para usar uma expressão popular, no objetivo de pagar despesas urgentes, momentâneas e pontuais. Assim, com esse tipo de mentalidade canhestra, como iremos formar uma grande equipe, um time à altura das nossas tradições? É a pergunta que não quer calar e, por óbvio, permanece sem resposta.

PE: O que fazer então para mudar esse quadro?

 

César Oliveira: Eu, pessoalmente e por formação intelectual, só vejo saída através da ação dos poderes constituídos, seja através do Ministério Público Estadual, seja através da Policia Federal, do Ministério Público Federal, da Justiça Comum, enfim, dos poderes públicos que detêm poder constitucional para tanto. Na verdade, o nosso grupo já encetou algumas dessas ações, principalmente na esfera da Policia Federal e do Ministério Público Estadual, sendo que este último deveria aprofundar-se mais no tema, ao meu sentir. Na próxima semana nós iremos lá novamente, cobrar posições e apurações, além de juntarmos fatos novos que, por ora, não podem ser revelados. Aqui, eu gostaria de fazer uma reflexão: alguns mal intencionados ficam pregando um absurdo como se fosse natural, eles, os mal intencionados e os ignorantes, sustentam que o Poder Judiciário não teria legitimidade para apurar desvios e fraudes no âmbito do Esporte Clube Bahia. Nada mais absurdo. Primeiro, porque o art.5°, XXV, da Constituição da República diz, claramente: a lei não excluirá da apreciação do poder judiciário lesão ou ameaça a direito. Depois, porque a ordem jurídico-constitucional assegura aos cidadãos o acesso ao Judiciário em concepção maior. Engloba a entrega da prestação jurisdicional da forma mais completa e convincente possível, conforme asseverou recentemente o Ministro Marco Aurélio. Inclusive, aqui mesmo na Bahia, já se registrou uma intervenção judicial no E. C. Vitória, há 15 anos, pouco mais ou menos. Recentemente, a anulação, pelo Poder Judiciário, das eleições do Clube de Regatas Vasco da Gama, demonstra, mais uma vez, como é óbvia e ululante, a competência do Poder Judiciário para julgar da legalidade ou ilegalidade do que ocorra no âmbito interno de qualquer agremiação desportiva. O mais é falácia, é má-fé, combinada com interesses escusos.

PE: Quais os resultados concretos das investigações?

César Oliveira: Olha, essas investigações, por sua própria natureza, e os casos recentes de conhecimento público demonstram isso, são vagarosas, um tanto demoradas, porém eficazes, aliás, pessoas próximas da atual direção do Bahia podem muito bem confirmar este dado, digamos assim.

PE: Quais os fatos que fundamentam essas investigações?

César Oliveira: Fatos criminosos, em tese, das mais diversas naturezas, indo da apropriação indébita à lavagem de dinheiro, passando por infrações à Lei das Sociedades por Ações e muitos outros, todos detalhados nas representações respectivas, sendo que parte deles inclusive já foi constatado pelo Ministério Público Estadual, através de parecer preliminar. Eu acho que o Poder Judiciário da nossa terra uma hora terá que se pronunciar. Mais cedo ou mais tarde. Mas é como disse o poeta: “quem sabe faz a hora…”.

PE: Qual a sua opinião sobre a não aprovação das Eleições Diretas no Bahia?

César Oliveira: Aquilo lá foi uma farsa, encenada pela atual situação e por uma espécie de oposição consentida, que serve, inclusive, lamentavelmente, para emprestar uma certa legitimidade a um pleito viciado e nulo. Porém, teve o mérito de desmascarar e rasgar a fantasia de Paulo Maracajá, que deu uma eloqüente demonstração de que além dos seus demais notórios defeitos, na área esportiva, assumiu definitivamente sua condição de homem sem palavra, na questão tricolor. Por inúmeras vezes a torcida ouviu da boca desse cidadão a assertiva de que seria o primeiro a patrocinar a alteração estatutária que desaguaria nas desejadas eleições diretas. Na hora da verdade, entretanto, ele foi obrigado a retirar o véu que lhe cobria a face, e exibiu o rosto untado de peroba para dizer, categórico, arrogante e definitivo: “Eu, Paulo Maracajá, sou contra as eleições diretas”. Foi isso que aconteceu, de verdade. Portanto, uma agremiação do porte do Esporte Clube Bahia continua a ser uma senzala, comandada por um feitor oculto e que deseja se perpetuar no poder. Falo de Paulo Maracajá por ele ser a “Cabeça de Medusa” de um pequeno grupo que se apoderou do tricolor e, sobre a pressão do seu contato, desmedula, esvazia, consome, prostitui e cadaveriza o Esporte Clube Bahia, contando, para isso, com uma mídia esportiva acrítica e subserviente, na sua maioria.

PE: E sobre a Conferência Gigante Tricolor. O que o Sr. tem a dizer?

 

César Oliveira: O nosso grupo, que é um grupo de porte médio, abriga, mais ou menos, devidamente cadastrados, com presença constante nas reuniões, aproximadamente setenta tricolores apaixonados, gente que mora no Nordeste de Amaralina, em Cajazeiras, na Liberdade, em Periperi, na Mata Escura, na Sussuarana, na Cidade Baixa, enfim, na sua enorme maioria, é composto do chamado “Povão”, pessoas pobres e que lutam com muito sacrifício para poderem acompanhar as questões principais que envolvem o seu Clube do coração. São pessoas que estão na oposição há mais de dez anos, gente determinada, que freqüenta o estádio. Essa conferência, organizada por outro grupo de oposição, na verdade foi uma reunião da elite, em comparte com políticos profissionais demagogos, que querem a todo custo explorar o imenso sentimento de frustração do torcedor tricolor, em troca de votos. Ali não se falou em intervenção. Ali não se falou em auditoria. Ali não se falou em investigação, de qualquer natureza. Foi por isso que Paulo Maracajá gostou e, inclusive, elogiou publicamente. Isso é tudo que ele quer. Uma oposição de “luva de pelica”, de “pijama de seda”, “cheia de dedos”, que fica criando factóides para ocupar espaço na mídia. Esse tipo de oposição “chapa-branca”, cerimoniosa, sofisticada, elitista e distante do real sentimento do torcedor do Esporte Clube Bahia, não nos interessa e não é a nossa.

A nossa é apaixonada, vibrante e contundente, apesar de também ser educada e dentro da lei. Portanto, para o nosso grupo, aquilo lá foi um convescote que reuniu torcedores burgueses e políticos oportunistas, servindo apenas para coonestar essa podridão situacionista que aí está, na medida em que a legitima, de alguma forma. Veja que Maracajá praticamente os convidou para participarem da atual gestão e parece até que eles têm um candidato comum! Não nos surpreenderia que eles apresentassem um candidato compartilhado e o apresentassem como candidato “do entendimento” entre a situação e a “oposição”. Ora, nós não vamos participar disso, de uma manobra de bastidores entre esse pessoal que aí está, parcela de membros do governo do Estado e uma oposição quase que de araque, consentida, elogiada e até aplaudida por quem está no poder! Esta oposição, sentimos muito, quer trocar “seis por meia-dúzia”, para usar uma expressão popular. A deputada Lídice da Mata, por exemplo, em qualquer evento oposicionista tricolor em que haja luzes e microfones, ela se faz presente. No entanto, quando presidiu uma comissão parlamentar do esporte, com amplos poderes, nada fez, muito embora encontrasse tempo para se envolver na política interna do Corinthians.

O próprio Governador do Estado, cuja esposa parece ser tão atuante na causa oposicionista, não intervém como deveria fazê-lo, simplesmente solicitando a um deputado da base aliada para que propusesse a CPI do Esporte Clube Bahia e, com a ampla maioria que possui, seria fácil, muito fácil, descobrir as mazelas e adotar as medidas urgentes e necessárias que a situação de miséria do grande Clube requer. Por que ele não faz isso, é fácil de entender: interesses políticos e partidários, que envolvem deputados federais e ministros, candidaturas governamentais, etc., portanto assunto muito melindroso para os interesses eleitorais e políticos do Governador, que não quer e não vai se envolver efetivamente. Então, a nossa oposição, que é substantiva, de longo prazo, dispensa esse tipo de interesse e de conveniência politiqueira e eleitoral. Agora, todos querem tirar uma “lasquinha” do poderio imenso da torcida tricolor. Mas, eu acredito – e o ex-deputado Marcelo Guimarães disso é exemplo eloqüente – que a torcida do Bahia não se deixa enganar por esses políticos de ocasião, porque apesar de fanática ela é esclarecida, e sabe separar o “joio do trigo”. Nossa luta, a luta do nosso grupo, é uma luta real, que objetiva a transformação total do Clube, passando, também, pelo seu saneamento de ingerências políticas. O nosso grupo é independente, não obedece nem se submete às orientações de ninguém. Não tem interesses pessoais a defender, só quer, só deseja, só reivindica e só propõe Democracia, que o torcedor possa se tornar sócio de verdade e eleger, soberanamente, o presidente e a diretoria administrativa do Clube, gerando, ao mesmo tempo, imensa fonte de arrecadação financeira, capaz de fazer o Bahia renascer das cinzas, para usar uma imagem poética

PE: Qual a sua previsão para a disputa da segunda divisão?

 

César Oliveira: A mesma de sempre, na última década. Agonia, sofrimento, indignação e, sobretudo, desilusão ao ver novamente se desenhar o quadro: um time medíocre, comandado por um técnico inexperiente e comissão técnica irrelevante, à exceção de Beijoca, tricolor de primeira grandeza, além de entender profundamente da matéria. Os demais, com todo o respeito, entendo que não estão à altura da nossa grandeza. A eliminação recente na Copa Brasil por um time inexpressivo do interior do Ceará mostra, de forma eloqüente, o estado de miséria que se encontra o Esporte Clube Bahia, morrendo aos poucos pela conjunção de três fatores: diretoria inepta e ditatorial, imprensa esportiva amordaçada e conivente, na maioria das vezes, e interesses políticos mesquinhos, do governo e da oposição.

PE: Nos conte uma de suas felizes lembranças do verdadeiro Bahia?

 

César Oliveira: Ah… São inúmeras e antigas. O meu sentimento pelo Bahia é um amor que vem desde a infância, que me tem acompanhado a vida inteira, e ainda acima disto, é incurável. Em 1967, por exemplo, o Galícia tinha um timaço, com Adilson “Paredão”, Apaná “Suvela”, Hélio “Náilon”, Nelinho, Waltinho, Telê – grande ponta esquerda e pai de Danilo Rios – e, finalmente, Carlinhos, centro-avante que depois viria a ser grande artilheiro do Bahia. O nosso time, apesar de mais fraco tecnicamente, tinha a garra enlouquecedora de antes, e formava com João Adolfo, um goleiro que Osório trouxe de Pernambuco, Breno, Dário, Nildo “Birro-Doido” – aquele que tirou o gol mil de Pelé na Fonte Nova – e Toinho, Ailton e Gazane – depois Eliseu Godói, que chegou no meio do campeonato, vindo do Santos de Pelé -, Gajé, Adauri, China e Canhoteiro. A Fonte Nova superlotada, com 90% ou mais de torcedores do Bahia. Quando o time entrou em campo a Fonte Nova parecia que ia desabar, já naquele tempo, que só tinha um anel. O árbitro, Armando Marques, ao ver o Bahia entrar em campo, teria dito: “um time que tem uma torcida dessa, não pode perder”. E parecia que ele estava adivinhando: Bahia 1 x 0 Galícia, gol de China, de cabeça, escorando cruzamento de Canhoteiro, um delírio… Eu tinha dez anos. Depois, aquela derrota que impusemos ao adversário com um time cheio de craques como Osni, Mário Sérgio, Almiro e Juarez: Bahia 1 x 0 Vitória, gol de Piolho. Depois, aquele Ba-Vi de virada, com um gol de Douglas e outro de Beijoca, na prorrogação, e o Bahia com um timaço: Joel Mendes, Ubaldo, Sapatão, Roberto Rebouças e Romero, Baiaco, Fito e Douglas, Jorge Campos, Beijoca e Jésum, “o entortador”. Depois, aquele gol de Fito do meio-de-campo, em cima de Gelson, hoje treinador. Depois, esse é inesquecível, o gol de Raudiney. Então, nós já vivemos muitas glórias, os dois títulos brasileiros, os dois vice-campeonatos do Brasil, as inúmeras vezes que fomos campeões do norte-nordeste, as duas excursões vitoriosas à Europa, inclusive ganhando do Milan e da Juventus de Turim, além de ganharmos da seleção da Tchecoslováquia, como se chamava então. Portanto, são essas lembranças que fazem com que nós lutemos, para que possamos retornar a esses gloriosos dias em que a torcida, a equipe e a direção tinham um pensamento único, ou seja, a vitória, o êxito e o sucesso do tão amado Esporte Clube Bahia.

PE: O Senhor é candidato a Presidente do Esporte Clube Bahia?

 

César Oliveira: O grande escritor Morris West, em seu livro clássico “O advogado do diabo”, diz que todo pároco de aldeia sonha em um dia ser Papa. No Bahia não é diferente. Eu acho que todo torcedor tem vontade de um dia presidir o seu clube. Agora, tudo depende das condições políticas. No dia que houver eleições diretas verdadeiramente transparentes, o colégio eleitoral será de milhares de torcedores. É por isso que Paulo Maracajá tem medo das eleições diretas. Vai haver o debate, o exame da vida pregressa dos candidatos, de que maneira eles administraram as suas empresas na vida particular, quais as atitudes que tomaram e as propostas que fizeram quando participavam da direção do Clube, e se de alguma maneira se beneficiaram do patrimônio do Clube, tudo isso vai ser discutido em detalhes, queiram ou não queiram os “puristas” de plantão, que só falam em “elevar o debate”, buscando varrer para debaixo do tapete as suas mazelas recíprocas. Então, em havendo eleições limpas e democráticas, nas quais o debate seja público e sem restrições, ainda que educado e formal, o nosso grupo, sem nenhuma hesitação, terá candidato. Não nesse modelo. Nem em modelo simulado em que o Presidente se eleja com miseráveis cento e poucos votos de burgueses…

PE: O Senhor deseja acrescentar mais alguma coisa?

 

César Oliveira: Nas reuniões quinzenais do nosso grupo, o “Reação Tricolor”, que conta com mais de setenta pessoas, entre empresários, pequenos comerciantes, juizes, advogados, contadores, promotores, policiais, oficiais de justiça, motoristas, funcionários públicos, guardadores de carro, ambulantes, garçons, vigias, etc, depois de os projetos serem todos discutidos, nas diferentes áreas administrativas do clube, eu gosto de lembrar que o Esporte Clube Bahia, no passado, era exemplo de democracia, tanto que o saudoso líder Osório Villas-Boas se elegeu presidente pelo voto direto, derrotando, por uma margem de oitocentos e poucos votos, o grande professor Orlando Gomes, honra e glória da Bahia. Então, a presidência do Bahia era disputada democraticamente por homens desse nível, sem se falar em Waldemar Pinheiro Costa, Zelito Bahia Ramos, Pedro Pascásio, Nelson Pinheiro Chaves, Hamilton Simões e outros tantos nomes que não nos deixam esquecer da luta que travamos e travaremos para restaurar a dignidade do Esporte Clube Bahia. Aliás, eu estranhei que na reunião dos socialites e dos políticos profissionais não tenham mencionado o nome de Osório Villas-Boas em nenhum momento, para prestarem qualquer tipo de homenagem ao maior baluarte da história do Clube e responsável direto pela sua grandeza. Talvez porque Osório signifique “Povão”, povo sofrido e humilhado, que não tem vez e não é convidado para coquetéis da alta burguesia, onde o que rola é caviar e uísque estrangeiro, sem nada de prático acrescentar para o debate propriamente dito, uma vez que se tornou até bandeira da situação, como visto. Saudações tricolores. A luta continua, acirrada como sempre. Para a imensa torcida tricolor, um recado: nossa hora vai chegar, pois, como diria Gramsci.

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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