E estava tudo tão bonito

Por Paulo Roberto Sampaio

Angústia, apreensão, alívio, alegria, lágrimas de felicidade, lágrimas de dor. A história da empolgante volta do Bahia à Série B do futebol brasileiro abrigou ontem na Fonte Nova muitas histórias, muitos personagens e uma seqüência de sentimentos que haverão de marcar por muitos anos a memória de quem viu de perto mais essa tragédia tingiu de vermelho uma tarde que era para ser azul, vermelha e branca.

E estava tudo tão bonito nesta linda tarde de domingo. Casa cheia e enfeitada para festa. O azul, vermelho e branco por toda parte. Rostos confiantes. Sorrisos de volta, após longas jornadas de derrotas e um quase ostracismo. Era hora de cultuar os novos heróis, brindar a volta à Série B, fazer uma festa como só a torcida do Bahia sabe fazer. Mas o destino foi cruel, muito cruel. Se não tirou do time a tão sonhada volta ao estágio intermediário do futebol brasileiro, tirou muitas vidas e a alegria deste domingo tão especial.

Foi o amor pelo Bahia que levou a Fonte Jadson Celestino, Djalma Lima, Anísio Marques Neto, Márcia Santos Cruz, Milena Vasques Palmeira, uma mulher sem identificação e Joselito Lima Júnior. Foi o amor pelo Bahia que levou à Fonte Marcos da Paz Macedo, Landerson Santos Azevedo, Patrícia Vasques Palmeira e José Mário Silva, 30 anos. Os seis primeiros morreram no local quando a arquibancada onde se concentra esse fenômeno de massa chamado Bamor despencou. Os outros estão em estado grave. Caíram pelo mesmo buraco. Desapareceram de uma hora para outra diante de pais, amigos ou simplesmente companheiros de jornada, de gritos, aflições e abraços. Ficaram inertes numa marquise de cimento ou ainda foram levados ao Pronto Socorro do HGE.

Anônimas figuras que se misturavam entre os milhares de bandeiras e camisas tricolores e que tinham em comum uma história de amor e paixão por um time chamado Bahia. Fenômeno difícil de explicar. Amor tão intenso que sufoca e mata.

Foram anos de dor e sofrimento com o Bahia na terceira divisão, mas incapazes de trincar nem de longe o amor que eles nutriam e nutrem pelo Bahia. Assim, ante a real possibilidade de o time avançar à Série B não hesitaram em cobrir o corpo com o manto sagrado das três cores e se abrigar exatamente naquele pedaço de arquibancada onde o coração parece bater mais forte, onde o grito de guerra se faz mais intenso e onde se é mais Bahia.

Não é preciso estar na Fonte Nova para descrever como a festa de ontem virou tragédia e como a alegria se transformou em horror. A mais de 3 mil km de lá, na distante Belém, ao lado de uma tricolor que sofreu durante todo o jogo até a explosão final da conquista da vaga, sem saber o que de trágico acontecia na Fonte ao mesmo tempo, a cantora Claudia Leitte, foi possível mensurar tudo. Viver cada momento desta lenta agonia e imaginar que se estivesse na Fonte era exatamente na Bamor que pretendia assistir este duelo e descrever cada instante de emoção que ali se vive.

Quase 50 ligações feitas em pouco mais de uma hora e meia. Uma a cada dois minutos até o apito final. Mas, de repente, ser varrido por uma cruel dor de quem perde um irmão. Sofrer pelos que se foram, sofrer pelos que ficaram e viram amigos ou simplesmente fiéis tricolores desaparecer num buraco aberto diante dos pés, dirão, quem sabe, pela paixão desenfreada dessa torcida que não parava de pular.

A velha Fonte não agüentou a pressão. Tremeu e ruiu. Senão por inteiro, numa tragédia sem precedentes e bem mais grave que aquela de 71 que não me sai da memória, mas o suficiente para calar a imbatível e heróica nação tricolor. O Bahia está de volta à Série B, mas não há clima para festa. É hora de chorar os mortos ainda que, se como consolo valesse, ter a certeza de que morreram fazendo o que mais amavam na vida: ver o Bahia jogar. Só quem ama esse time há de entender o sentido dessas palavras. Roberto Sampaio – Diretor de Redação da Tribuna da Bahia

Autor(a)

Dalmo Carrera

Fundador e administrador do Futebol Bahiano. Contato: dalmocarrera@live.com

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